quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

(2012/157) Quando é bom que os culpados sejam os vizinhos (hipérboles, exageros e retórica à parte, acho que é isso)



1. Acho que quanto a isso não há muita discordância - o que se chama de "evangelho" no Brasil, no atacado e no varejo (ressalvadas as exceções, que sempre as há), está falido: falido eticamente, falido culturalmente, falido moralmente, falido emocionalmente - e até musicalmente. Salvo bolsões de resistência, nivele-se por baixo e a margem de erro é pequena. Se se salvar, a igreja evangélica brasileira se salvará em grotões, uma aqui, outra ali...

2. Pode ser bom culpar os outros por isso: morrer culpando os outros. O capitalismo: ele tornou as igrejas comerciais!

3. O pós-modernismo: ele tornou as igrejas fúteis!

4. Os liberais... bem, aí já não dá pra dizer que a pouca vergonha espiritualóide evangélica seja culpa dos liberais, mas vão dizer, porque é bom culpar os vizinhos.

5. Mas, aí, alguém "que só escreve besteiras" vem e diz, com todas as letras, que ele acha que a culpa do que está aí é, em grande medida, da política conservadora e, em grande medida reacionária, do "Bíblia e oração".

6. Ora, quem se encontra ainda encantado por essa rotina politicamente alienante, ouve uma crítica dessa, há de gostar?

7. Naturalmente que não.

8. A questão é: olhe com atenção para as multidões que lotam os templos evangélicos da moda e só se verá Bíblia e oração, acrescidos, na mesma direção espiritualizante/espiritualóide, de milagres, exorcismos, rituais: o mundo medieval, adorado pelo conservadorismo teológico, voltando à vida - menos as fogueiras (por enquanto).

9. Talvez eles cressem que eles mesmos reinariam em tronos barrocos num mundo medieval.

10. Mas, não: tem gente mais eficiente na rotina de alienar. Gente adulta, astuta, macaca velha. O jogo não é mais dos meninos, senhores.

11. É gente muito, muito mais eficiente.

12. Gente que não abre uma igreja a cada década: abre uma a cada dez dias, e lota, e paga milhões para a TV, e invade os lares, onde o povo espera por coisas de Bíblia e oração.

13. Posso estar errado. Duvido que esteja, mas posso.

14. Mas acho que os defensores da política de Bíblia e oração deviam, sinceramente, refletir sobre o mundo que está à nossa volta, e ver se os discursos que imperam não são exatamente aqueles que eles mesmos proferem, mas sem o controle burguês que eles gostariam de aplicar às almas: lá, o jogo agora é à vera, sem controle, senhores. Quero dizer, o controle lá é tão grande que os senhores não podem mais controlar - muito menos com o fogo que ateiam à fogueira deles, com o modelo Bíblia e oração...

15. Lampião chegou ao cangaço, senhores. O cangaço, agora, tem outro dono. E ele também carrega Bíblia e oração - a mesma, senhores, que vocês.

16. Duro. Mas a vida dói.

17. Ah, e os senhores poderão sempre culpar o diabo...

18. Mas cuidado, até nisso eles são melhores do que vocês - expulsam 1000 por dia. Vai aumentar a audiência...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

Igreja Batista Memorial da Posse disse...

A QUESTÃO É O QUE FAZER DIANTE DESTA CONSTATAÇÃO? EVANGÉLICOS "falido eticamente, falido culturalmente, falido moralmente, falido emocionalmente - e até musicalmente"
O QUE FAZER? REFLETIR? CRITICAR? QUESTIONAR? PUXAR O FIO SOLTO DE NOSSAS TEOLOGIAS E DESMONTÁ-LAS? PODE SER. PREFIRO TENTAR, DIGO NOVAMENTE, TENTAR, APRENDER COM JESUS. ELE ATÉ FREQUENTAVA AS RODAS "INTELECTUAIS", MAS SEU MINISTÉRIO É MARCADO PELA SUA PROXIMIDADE DAS PESSOAS, INCLUSIVE AQUELAS QUE NINGUÉM QUERIAM ESTAR PERTO. JESUS TOCAVA NAS PESSOAS. NÓS PREFERIMOS UM TEMPLO COM AR CONDICIONADO, UMA MESA DE DEBATES, UM PAINEL DE DISCUSSÕES. QUE POSSAMOS NOS APROXIMAR DA PESSOAS, DOS SEUS PROBLEMAS, FALHAS, ALEGRIAS. SERÁ QUE DÁ? NÃO SEI, MAS POSSO TENTAR.

Pr. Cezar Uchôa Júnior (IBMemorial da Posse - Nova Iguaçu, RJ.
paz

Cleinton disse...

você está equivocado, osvaldo.
pesquisas antropológicas e sociológicas mostram que os neopentecostais oram pouco e pouco leem a bíblia. o negócio deles é mais a presença nos cultos milagrosos, pois "é só ali que a coisa acontece de verdade". os neopentecostais perdem pouco tempo em casa com a bíblia e a oração, mas muitíssimo tempo nos templos e diante da tevê, ouvindo baboseiras que nada têm a ver nem com bíblia e nem com oração. uma análise antropológica bem rala te mostrará que as orações nos templos são sempre as mesmas - o que mostra uma padronização que busca simples "funcionalidade" -, os gestos e até o modo de falar se repetem o tempo todo nos "pastores" e um novo cânon é composto, numa hermenêutica toda peculiar, para que a bíblia fale o que os espertos querem falar. quem ainda lê bem e ora bem são os pentecostais (ainda que sejam em sua maioria analfabetos funcionais), pois os tradicionais oram pouquíssimo, não andam mais com bíblias e só a leem - já recortada no "novo cânon" que interessa - nos datashows da vida. portanto, discordo de sua tese sobre o binômio bíblia/oração, pois a considero reducionista, beirando à perversidade, já que não é crítico ao ponto correto, uma vez que coloca sempre "todo mundo num saco só".

Peroratio disse...

Cleinton, sabes que receberá uma resposta mais à altura, mas deixe-me alinhavar aqui a direção do tiro: não separe o binômio Bíblia e oração de um lado e crítica do outro. Não estou dizendo que o problema é Bíblia e oração, mas Bíblia e oração sem crítica: a pastoral, com Bíblia e oração, mas sem crítica, produziu gerações de pessoas sem um mínimo de discernimento crítico, campo fértil para esse evangelho sem Bíblia e oração a que você se refere. Para o fiel daquela igreja e para o fiel das igrejas tradicionais, ambos usam Bíblia e oração: você pode até distinguir, mas ambos leem apenas o que interessa e sempre e unicamente de acordo com o padrão pastoral. Não vou fazer distinção epistemológica entre amos os grupos, porque não há. Há distinção teológica, ritual, mas epistemológica, nenhuma diferença. Um pode ser mais escrachado do que o outro, mas o modelo, de modo geral (ressalvadas exceções, mínimas) é o mesmo: Bíblia para reforçar a catequese denominacional e oração para afiançar subjetivamente essa catequese.
Mas posso estar errado, sempre.

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