1. A Filosofia - naturalmente, não aquela a serviço da "fé" - já o dissera pelo menos desde o século XIX, ainda que quem o tenha dito mais altissonantemente (Feuerbach) tenha sofrido bastante pela ousadia: o que quer que os homens pensem de e sobre Deus, pensam-no a partir de si mesmos, projetando na "idéia" Deus suas próprias faculdades, liberando-as, todavia, das limitações. Nesse sentido, Deus, essa idéia, é sempre um "super-homem".
2. No campo pessoal, o mesmo fenômeno tende a acontecer: Deus pensa do mesmo modo como "eu" penso - isto é, se eu não gosto de pretos, Deus também não gostará de pretos, se eu gosto, Deus gostará, e assim vai, o mesmo valendo para mulheres, imigrantes, homossexuais, religiosos não-cristãos etc.
3. Não é por razões muito diferentes que não nos incomandamos com o fato de as mulheres falarem na Igreja - coisa que, a Paulo, parecia "indecente" -, ou com o pagamento de juros (extorsivos!) em cartões de crédito e cheques-especiais, ou com juramentos (o sistema jurídico protestante estadunidense está baseado em juramento sobre a Bíblia - livro que condena o juramento!). À medida que uma coisa se nos torna admissível (mulheres falarem na igreja, juros, juramentos), pode a Bíblia inteira a condenar, ainda assim criaremos uma teologia social em que Deus a tolera, e nem nos constrangiremos mais em ler o contrário na Bíblia.
4. O fenômeno não é tão simples - um doido qualquer, desde que tenha algum tipo de ascendência social, pode pôr Deus a falar sandices, e uma comunidade inteira entregar-se a elas, mas sempre com a exigência de, primeiro, elas mesmos entregarem-se à coisa dita para, então, aceitarem que é assim que Deus pensa: primeiro, nos apropriamos da coisa dita, depois, aceitamos que Deus "pense" assim.
5. No campo antropológico e social, "Deus" nunca vai além de nós mesmos - "Deus" não passa, aí, nesse jogo, de manobras psicológicas, sociais, antropológicas, nossas. No jogo antropológico, estético, não há necessariamente nenhum problema - salvo algum risco de patologia grave: e muitos grandes místicos foram bem doidos. O problema é o campo social, em que a idéia - por mais doida - de um sujeito pode impor-se aos demais e, ato contínuo, ser fundamentada em Deus...
6. A novidade do texto abaixo transcrito é que experimentou-se a tese filosófica e ela foi comprovada: diga-me como tu pensas e eu te direi como teu Deus pensa. O crente/teólogo dirá que pensa assim porque Deus pensa assim - na verdade, o "Deus" que ele carrega nos lábios diz as coisas que diz porque o coração do fiel está cheio dessas palavras. É só virar de ponta-cabeça. Teologia é Antropologia. Bingo, Feuerbach, bingo!
7. Uma religião sadia - não vejo outra forma - deveria lidar eficientemente com esses conceitos, levá-los a sério e tirar deles o máximo de suas implicações éticas.
A Vontade de Deus
Helio Schwartzman
SÃO PAULO - Pessoas religiosas costumam dizer que seguem a vontade de Deus. A questão relevante então é descobrir como elas descobrem o que Deus quer, já que só uma minoria alega receber ordens diretas do Criador.
É justamente sobre esse intrigante ponto que as pesquisas de Nicholas Epley, da Universidade de Chicago, lançam luzes.
Epley e seus colaboradores entrevistaram centenas de pessoas e as inquiriram sobre temas moralmente carregados, como aborto, ação afirmativa, casamento gay, pena de morte e legalização da maconha. Também perguntaram como elas achavam que Deus via essas questões. A título de controle, pediram que os entrevistados dissessem quais seriam as respostas do americano médio, George W. Bush e Bill Gates sobre esses temas.
Houve grande coincidência entre as opiniões do indivíduo e aquelas que ele atribui a Deus. Por exemplo, se o sujeito é a favor da pena de morte, tende a dizer que o Criador também a defende -e vice-versa. Até aí não há muita surpresa. Vários estudos psicológicos já haviam demonstrado que nossas próprias convicções influem bastante sobre aquilo que imaginamos que outras pessoas pensam.
Os trabalhos de Epley ficam mais interessantes quando ele induz os participantes a modificar seu juízo, convidando-os a ler diante de uma câmara discursos contrários a seu ponto de vista inicial. Aí, como previsto pela psicologia experimental, o sujeito tende a reformular suas ideias. O curioso foi constatar que, nessas situações, a "opinião de Deus" também mudou, mas as atribuídas a Bush e Gates não.
Cereja no bolo: Epley também submeteu algumas de suas cobaias a estudos de neuroimagem, para constatar que, quando pensavam sobre o que Deus diria, ativavam os mesmos circuitos usados no pensamento autorreferencial.
Olado bom disso tudo é que ninguém precisa fazer muita força para estar do ladode Deus.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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