1. Pensado enquanto o "eu" por meio do qual se expressa, o homem abre-se para três dimensões de relação: a) eu-eu, b) eu-tu e c) eu-mundo. Talvez se possa dizer que essas são as três formas-limite de espiritualidade: a) aquelas baseadas nas relações eu-eu, b) aquelas baseadas nas relações eu-tu, e c) aquelas baseadas nas relações eu-mundo. Uma vez que as relações pragmáticas eu-eu, eu-tu e eu-mundo têm fundo orgânico, todas as três modalidades de espiritualidade daí derivadas teriam, assim, fundo orgânico - conquanto com isso não se queira dizer que se reduzam ao orgânico.
2. As espiritualidades do tipo eu-tu expressam-na nas modalidades éticas - o fenômeno da profecia israelita do século VIII a.C., um Amós, por exemplo. Ainda que haja muitas facetas tradicionais de Jesus nos Evangelhos, materializa-se aí uma dessas espiritualidades - a justiça. Mais recentemente, Martin Buber e Levinás escreveram sobre essa modalidade de espiritualidade. Poderíamos reduzi-la à máxima "Deus está no outro" - ou a síntese levinasiana - "o Outro no outro".
3. Mas há outras espiritualidades. Pensemos naquelas de tipo eu-eu. Não há, aí, uma hipertrofia da abertura em direção ao outro - pelo contrário: há um enclausuramento do eu em direção a si mesmo. Estamos aqui diante das místicas de contemplação, de viagem interior, de silêncio, de fechamento em torno de si, de nirvana. Esse tipo de espiritualidade está muito distante da tradição veterotestamentária - talvez até da tradição bíblica como um todo, mas não necessariamente distante da tradição cristã. Aqui se poderiam incluir as místicas do "divino", pensado como metafisicamente instalado e disponível enquanto metafisicamente instalado e disponível? Não estamos mais diante da mística do Outro no outro - mas do Outro em mim, na minha percepção, na minha experiência - estética! Será o caso?
4. Resta, agora, a terceira espiritualidade - a de tipo eu-mundo, os panteísmos, as espiritualidades de mana, e, logo descobriremos, as espiritualidades ecológicas contemporâneas, se, contudo, não são elas (mero) disfarce da espiritualidade anterior. Talvez possamos testemunhar uma guinada da espiritualidade do tipo eu-eu para uma espiritualidade do tipo eu-mundo - em plena vigência da tradição cristã, e isso em função do apelo ecológico: o que a doutrina da criação não lograra alcançar, evidentemente por conta do fato de que a mesma tradição cristã de criação dá-se acompanhada pela doutrina da contaminação da criação, sua "queda" solidária no pecado adâmico - o que imundo está não pode ser objeto de mística...
5. Penso que o que de melhor se pode aprender com esse esquema das espiritualidades é o significativo vínculo entre o pensamento humano, suas expressões espirituais, e a matéria, o corpo, o organismo humano. A emergência da consciência humana trouxe um novo mundo à tona, o mundo das idéias, dos pensamentos - a noosfera: mas permanece inalienavelmente entranhado esse novo mundo às raízes orgânicas desde as quais o homem se eleva sobre a terra...
6. Numa perspectiva pragmática, alguma diferença entre essas espiritualidades, essas místicas? Nenhuma. Naturalmente que os místicos do tipo eu-outro correm o risco de olhar para as demais como expressões menores da maior e melhor expressão espiritual: a ética. À luz do esclarecimento do esquema, contudo, logo se verá que a ética não está isenta de soberba... No fundo, há absoluta equivalência estrutural entre todas essas três modalidades de espiritualidade: cada qual tem suas vantagens e desvantagens - mas são todas filhas do profundamente orgânico, brotos do mesmo tronco evolutivo humano, ainda que janelas diferentes, vinculadas ao olhar que as atualiza enquanto expressão humana - o eu que olha, de frente, ora para si, ora para o outro, ora para o mundo...
2. As espiritualidades do tipo eu-tu expressam-na nas modalidades éticas - o fenômeno da profecia israelita do século VIII a.C., um Amós, por exemplo. Ainda que haja muitas facetas tradicionais de Jesus nos Evangelhos, materializa-se aí uma dessas espiritualidades - a justiça. Mais recentemente, Martin Buber e Levinás escreveram sobre essa modalidade de espiritualidade. Poderíamos reduzi-la à máxima "Deus está no outro" - ou a síntese levinasiana - "o Outro no outro".
3. Mas há outras espiritualidades. Pensemos naquelas de tipo eu-eu. Não há, aí, uma hipertrofia da abertura em direção ao outro - pelo contrário: há um enclausuramento do eu em direção a si mesmo. Estamos aqui diante das místicas de contemplação, de viagem interior, de silêncio, de fechamento em torno de si, de nirvana. Esse tipo de espiritualidade está muito distante da tradição veterotestamentária - talvez até da tradição bíblica como um todo, mas não necessariamente distante da tradição cristã. Aqui se poderiam incluir as místicas do "divino", pensado como metafisicamente instalado e disponível enquanto metafisicamente instalado e disponível? Não estamos mais diante da mística do Outro no outro - mas do Outro em mim, na minha percepção, na minha experiência - estética! Será o caso?
4. Resta, agora, a terceira espiritualidade - a de tipo eu-mundo, os panteísmos, as espiritualidades de mana, e, logo descobriremos, as espiritualidades ecológicas contemporâneas, se, contudo, não são elas (mero) disfarce da espiritualidade anterior. Talvez possamos testemunhar uma guinada da espiritualidade do tipo eu-eu para uma espiritualidade do tipo eu-mundo - em plena vigência da tradição cristã, e isso em função do apelo ecológico: o que a doutrina da criação não lograra alcançar, evidentemente por conta do fato de que a mesma tradição cristã de criação dá-se acompanhada pela doutrina da contaminação da criação, sua "queda" solidária no pecado adâmico - o que imundo está não pode ser objeto de mística...
5. Penso que o que de melhor se pode aprender com esse esquema das espiritualidades é o significativo vínculo entre o pensamento humano, suas expressões espirituais, e a matéria, o corpo, o organismo humano. A emergência da consciência humana trouxe um novo mundo à tona, o mundo das idéias, dos pensamentos - a noosfera: mas permanece inalienavelmente entranhado esse novo mundo às raízes orgânicas desde as quais o homem se eleva sobre a terra...
6. Numa perspectiva pragmática, alguma diferença entre essas espiritualidades, essas místicas? Nenhuma. Naturalmente que os místicos do tipo eu-outro correm o risco de olhar para as demais como expressões menores da maior e melhor expressão espiritual: a ética. À luz do esclarecimento do esquema, contudo, logo se verá que a ética não está isenta de soberba... No fundo, há absoluta equivalência estrutural entre todas essas três modalidades de espiritualidade: cada qual tem suas vantagens e desvantagens - mas são todas filhas do profundamente orgânico, brotos do mesmo tronco evolutivo humano, ainda que janelas diferentes, vinculadas ao olhar que as atualiza enquanto expressão humana - o eu que olha, de frente, ora para si, ora para o outro, ora para o mundo...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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