quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

(2011/079) Das origens subterrâneas do Protestantismo e da ironia "muçulmana"...


1. Não, meus amigos, não, mil vezes não! Nada está garantido, nada. O que hoje é forte e seguro, amanhã se desmancha sob o peso das águas da Ironia, e o que hoje é fraco e imberbe, amanhã se transforma em gigantesca árvore de milênios. Heráclito sabia disso o tempo todo - a mudança, a mudança, a mudança - que, ironicamente, então?, é a única coisa imutável...

2. Não foram os árabes invadirem a Península Ibérica por volta do século X, talvez o Protestantismo jamais tivesse vingado, se é que teria, até isso, ensaiado um voo. Mas deixemos as especulações pseudo-históricas - o "fato" é que os árabes invadiram o que viria a ser, mais tarde, Portugal e Espanha. E que invasão!

3. O que carregavam nos embornais era dinamite pura, TNT de implosão de edifícios inteiros. Usemos metáforas: um vírus terrível, uma espécie de vírus-cupim, que carcome, por dentro, as sólidas colunas das catedrais neo-gregas, uma traça a carcomer velhos pergaminhos dado por certamente seguros e indiscutíveis, um ácido a corroer a porcelana e o ouro dos utensílios do templo, um fogo a comer, com fome voraz, e lentamente, tudo...

4. Umberto Eco escreveu sua própria versão desse evento magnífico - O Nome da Rosa. E lá está ele, o manuscrito de Aristóteles, por cujo escondimento assim julgado imperioso se matava um, dois, três... Aristóteles, Aristóteles... O que foi fazer você embaixo das selas velozes dos puro-sangues?

5. Aristóteles tem suas virtudes - e pecados. Os pecados, como Cristo à mulher dita como que pega em flagrante adultério (mas devia ser adultério consigo mesma, u'a masturbação, digamos, já que não se viu, até hoje, o cúmplice...), não os condenemos. As virtudes, a elas! O logos divino, ele dizia, impregna tudo, todos, todas as coisas - constitui, assim, o logos, um princípio de inteligência, uma formidável capacitação para os homens, todos, quaisquer (mas, ai!, eis os pecados!, só os homens!), pudessem, por meio e graça dele, do logos, mas pela ação positiva, ativa, crítica, da consciência, ascender, pela investigação da Verdade, até a Verdade...

6. Eis aí, meus amigos, em outros termos, dois dos principais princípios protestantes, que, ditos de outro modo, e em outro momento, converteram-se, mantidas todas as suas pressuposições originais, em, agora, "livre exame das Escrituras" e "sacerdócio universal dos crentes". Ah, meus amigos, meu coração ainda vibra, bate forte, ao contemplar esses princípios...

7. Mas a festa e a alegria são inimigas da razão. Não há tanta razão para festas, ainda que alguma festa se possa fazer por isso que, na prática, se construiu. Mas não houve, nunca, livre-exame nem sacerdócio universal do crente... Nunca. Depois de montada a primeira catedral protestante, reinventou-se um catolicismo-romano-protestante: em Roma, mil igrejas, um Papa; a partir de Lutero, mil igrejas, mil papas...

8. Não é uma ironia? Ainda hoje se caçam hereges, meus amigos - ainda hoje... E desde então. Vêm aí, a galope, os 500 anos da Reforma, e, no fundo, como a planária, reproduzimos o velho modelo da Mãe, nós, ditos protestantes, em cada comunidade nossa, com a arrogância de não o admitir, com o pecado da dissimulação presunçosa...

9. Mas a ironia não termina aí... Os árabes, aqueles, responsáveis pela contaminação do Ocidente com o vírus da crítica, logo, da racionalidade, da razoabilidade, hoje, quem diria?, avançam como campeões, outros árabes, é verdade, a rigor, menos árabes do que aqueles, a rigor, muçulmanos, não necessariamente árabes, dos fundamentalismos, ultrapassando o cristianismo anacrônico em furor da Verdade e fundamentalismo. Onde estão aqueles puro-sangues do século X, onde está Aristóteles? Platão, posto a correr de alguns rincões ocidentais, encontrou guarida no coração de Maomé...

10. E, ainda mais irônico?, no front católico, o Vaticano II manda pôr tudo sob o crivo das Escrituras, até a Tradição - o que, dado o fato de que o que impera entre nós é a Ironia, não se vá esperar ser levado a sério, porque, depois que se diz que é a Bíblia que deve ser levada a sério, não se pode mais esperar que se leve qualquer coisa a sério, porque esse filme já vimos - é remake, e não vai ganhar o Oscar, não...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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