sexta-feira, 11 de junho de 2010

(2010/411) Clássicos exemplos do significado das Ciências Humanas para a Teologia


1. Já vi que vou passar minha sexta-feira, e, provavelmente, meu final de semana, ruminando a inclusão do "eixo teológico" no Parecer CNE/CES N. 051/2010. Ruminar é regurgitar o conteúdo do estômago para a boca, e tornar a macerar o capim moído, roído. Moí meu capim. Regurgito...

2. O século XIX, já se cansou de dizer, marcou a ferro e fogo a Teologia. Como reação - reação reacionária! -, pelo lado católico, o Vaticano I, pelo lado "protestante" (europeu), a Teologia Dialéctica (Barth) e, pelo lado "evangélico" (Estados Unidos), o movimento The Fundamentals. O fundamentalismo fez cria nas Américas - também no Brasil. O Vaticano I foi para as cucuias, com o Vaticano II (só Deus sabe onde vai acabar a história do Vaticano II, de atrelar a Tradição à Bíblia). Barth vai muito bem, obrigado: tem assento garantido na cátedra universitária...

3. O Liberalismo teológico, europeu, alemão, do XIX, foi uma tentativa de acordo. Fiquemos com o "histórico", isto é, o homem Jesus de Nazaré, pregador do Reino de Deus (Paulo torna-se "história" da Igreja, como Agostinho, Lutero). Barth reage, assentando o fundamento dogmático. Discurso "moderno", postura medieval. Salva a Teologia. Barth tem representação em todo canto. Já o Liberalismo teológico, talvez fosse o que se pudesse dizer de Bonhoeffer, se viesse a desenvolver sua tese de "um criatianismo não-religioso para um homem em estado adulto", e, ao menos na Cristologia, talvez esteja vivo em Edward Schillebeeckx e em Hans Küng - talvez.

4. Mas quero tratar de Bultmann e da reação da "história" de Culmann e Pannenberg - por exemplo. Bultmann acabou com a "história". Não sei exatamente se porque não podia mesmo, como bom moderno, deixar de considerar as narrativas cristológicas do NT como mito, ou se, no fundo, entregava uma encomenda de desjudaização do Cristo da Fé a uma Igreja Alemã, o fato é que, por meio do existencialismo, Rudolf Bultmann assume o conteúdo do querigma cristão - o Cristo da Fé - como mito, e trata a "salvação" como sacramento homilético: é a pregação, o rito homilético, o sacramento evangélico por excelência, como a eucaristia e o batismo.

5. A implicação da teologia bultmanniana é a completa desconsideração histórica da gnose cristã - de origem platônica. Não é mais a gnose que salva - o conteúdo da pregação. É a pregação em si, como sacramento e rito aqui e agora. Não há relação entre esse agora e um passado histórico que o fundamente: trata-se da irrupção do divino, diante do homem, que pode assumir sua autenticidade aqui e agora diante da pregação. Assim como cada homem está ligado apenas a si mesmo, não podendo pôr sobre outrem sua narrativa, sua responsabilidade, o sentido de sua vida, o fundamento de seus valores, assim como cada homem é só, a pregação é única, cada uma delas um evento, uma singularidade, sacramento suficiente aqui e agora, em si e por si mesmo, e não em função de uma gnose soteriológica historicamente transmitida pelos iniciados...

6. Não sou bultmanniano. Admirável, contudo, a sua saída. Mas não é para mim. Todavia, o que Oscar Culmann e Pannenberg tentam, cá entre nós, não pode ser considerado epistemologicamente sério, se as Ciências Humanas forem - e não são!, e ninguém quer que seja! - critério para a Teologia. Os "reacionários" contra-bultmannianos, "pais" da teologia "histórica", acertadamente, eu diria, acusam Bultmann de acabar com o fundamento histórico do Cristianismo, e de o converter em mística idiossincrática. Para a superação da crítica, apontam a "saída" - a História!

7. Mas, senhores e senhoras, o que Culmann e Pannenberg (que meu amigo Haroldo acaba de traduzir para o vernáculo, e, assim, pode me desmentir, se for o caso), como de resto, toda a fileira dos teólogos "históricos", chamam de "História", não passa de mito racionalizado. Ora, Bultmann foi mais honesto. Chamar de História a série de afirmações traditivas sobre Jesus - nascimento virginal, morte vicária, ressurreição, ascenção - é empregar o termo em sentido absolutamente fora do critério das Ciências. Isso já o faziam Orígenes, Agostinho, Lutero, Calvino - séculos antes da História nascer como Ciência Humana. E essa mesma palavra, empregada pela Teologia - Sistemática e apologética, claro, mas, igualmente, muito do que se chama de Teologia Bíblica também - não tem qualquer fundamento epistemológico científico-humanista. Direito religioso cobrar que se tratem como verdades aquelas proposições dogmáticas. Dizê-las históricas, contudo, exigiria advertir que se emprega o termo "histórico" num sentido não-crítico, confessional, digamos. Mito. Ponto.

8. Ora, senhores, assumir a história como plataforma sobre a qual o sobrenatural acontece, convenhamos... Para a fé vale tudo. Tudo. As religiões, que seja, podem fazer da História o que ela tem sido há cem mil anos: palco das ações dos inúmeros seres sobrenaturais (Deus é apenas um deles). Mas, quando a Teologia, na Universidade, brinca disso, isso é constrangedor.

9. Agora, pensemos por um instante: como a Teologia, em sala de aula, vai "conciliar" - por exemplo - o eixo histórico com o eixo teológico, nos termos do Parecer CNE/CES 051/2010, se, de um lado, História é Ciência Humana, palco de fenômenos naturais e antropológico-sociológicos, e, Teologia, mito? O resultado será a encarnação, por exemplo, de Culmann e demais "perspectivas" - História, enquanto palavra, se ouvirá, mas, quando você olhar para a cara dela, verá a Teologia disfarçada. Duvidam? Eu não. Mas é que ainda persiste meu mau humor...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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