sexta-feira, 11 de junho de 2010

(2010/410) Teologia e MEC - novo PARECER do CNE


1. Aviso aos leitores que escrevo sexta de manhã, morrendo de uma falta de sono acumulada, e isso me deixa de muito, muito mau humor. De mau humor, sou insuportável. Mais ainda do que o normal de minha useira e vezeira insuportabilidade média. Logo, parte de meu azedume, abaixo perceptível, deve-se a isso. Talvez eu devesse escrever hoje à tarde, às quatro, cinco, quando meus níveis de serotonina estivessem regulados. Agora, azedume puro.

2. No entanto, "preciso" escrever. Acabo de ler o novo PARECER do Conselho Nacional de Educação sobre os Cursos de Teologia, bacharelado - PARECER CNE/CES n. 051/2010 (leia-o, por favor). Há um histórico no próprio Parecer, de modo que não vou me deter em narrá-lo. Importante, apenas, assinalar que se trata da discussão em torno das implicações do PARECER CNE/CES n. 118/2009 (leia-o, por favor). Ambos aguardam a homologação do Senhor Ministro da Educação.

3. Meu mau humor e minha pouca habilidade política me faz dizer que houve uma gritaria danada nos arraiais teológicos, depois de publicado o Parecer 118/2009. A gritaria, basicamente, revela a preocupação da comunidade teológica em ter de abrir mão de sua auto-compreensão como Norma e Revelação, como Confissão e "Ciência da Fé", por conta dos eixos por meio dos quais o Parecer 118/2009 estabelecia a exigência de desenvolvimento dos currículos de Teologia. Não havia lá um "eixo teológico", mas, apenas, esses:

1. eixo filosófico – que contemple disciplinas que permitam avaliar as linhas de pensamento subjacentes às teologias, conhecer as suas bases epistemológicas e desenvolver o respeito à ética;
2. eixo metodológico – que garanta a apropriação de métodos e estratégias de produção do conhecimento científico na área das ciências humanas;
3. eixo histórico – que garanta a compreensão dos contextos culturais e históricos;
4. eixo sócio-político – que contemple análises sociológicas, econômicas e políticas e seus efeitos nas relações institucionais e internacionais;
5. eixo linguístico – que possibilite a leitura e a interpretação dos textos que compõem o saber específico de cada teologia e o domínio de procedimentos da hermenêutica;
6. eixo interdisciplinar – que estabeleça diálogo com áreas de interface, como a psicologia, a antropologia, o direito, a biologia e outras áreas científicas.

4. Eu escrevi uma defesa do Parecer. Encaminhei-a à relatora do Parecer 118/2009, e consta ter sido ela encaminhada, extra-oficialmente, ao Senhor Ministro da Educação. A defesa me foi encomendada por teólogos preocupados com a movimentação "oficial" de reitorias de diversas instituições teológicas, num esforço de reformular o Parecer 118/2009. O Parecer 051/2010 é resultado, também, dessa movimentação. Ali são citadas, polidamente, as intervenções políticas. Que são compreensíveis, uma vez que estamos inseridos numa plataforma democrática. Muito provavelmente por não constituir pronunciamento de personalidade jurídica - o Parecer só menciona ações de "entidades" representativas -, minha defesa não foi "citada". Não sei se foi considerada.

5. Mas, seja como for, preocupa-me o novo Parecer. Não por ele em si, mas pela "janela" que ele deixa aberta. Àqueles eixos do Parecer 118/2009, acrescentou-se um - "1. eixo teológico – que contemple os conhecimentos que caracterizam a sua identidade e prepare o aluno para a reflexão e o diálogo com as diferentes teologias nas diferentes culturas". Eis aí, senhores, meu medo, meu tremendo medo...

6. Não há nenhuma boa-vontade por parte da comunidade teológica quanto a descer das prerrogativas confessionais para uma Teologia de e da "terra", humana, como Ciência Humana, sem tergiversações, sem escapadelas - como aquelas famosíssimas declarações de Teologia como "ciência da fé" ou de que Teologia se dá no "plano de Deus". Temo - e apostaria - que, na prática, todos os demais eixos serão relativizados, submetidos ao "eixo teológico", que, de novo, na prática, funcionará como a "justificativa" para a manutenção das prerrogativas epistemologicamente privilegiadas da Teologia. O que os companheiros teólogos consideram, há dois mil e quinhentos anos, "Teologia" controlará isso que, agora, se chama de eixo teológico, de modo que a Teologia permanecerá, como tem sido até aqui, refratária não apenas às Ciências Humanas, mas, inclusive, seja à epistemologia delas, seja ao princípio da exclusão do transcendete. Duvidam?

7. Tomara eu esteja errado. Tomara. Tomara minha língua sangre, mordida, pelos meus dentes, e que eu me envenene com meu próprio veneno. Mas duvido que levemos a sério Teologia como Ciência Humana. Menos mau humor, Osvaldo! Está bem - temo (fica mais elegante!) que não venhamos a dar nenhuma bola para as Ciências Humanas, e que os teólogos mantenham seu "terceiro olho", como o de Lobsang Terça-Feira Rampa...

8. Temo que as Ciências Humanas - Antropologia, Sociologia, Psicologia, Fenomenologia (onde ela é estudada, claro!, porque é rara entre os cursos de Teologia) - continuem a servir de enfeites cripto-apologéticos e pseudo-científicos nas grades de Teologia. Um aluno faz que as aprende, mas as vomita em todas as aulas de Teologia, onde as suas implicações são acintosamente desconsideradas, onde a epistemologia se vê e faz como "no plano de Deus"...

9. Não sei qual a real razão desse "recuo" do Parecer 051/2010 em relação ao 118/2009. Talvez os pareceristas acreditem que nós teólogos venhamos a levar a sério os seus eixos 2, 3, 4, 5, 6 e 7, agora que, claro, aí foi, a pedidos, senhores, a pedidos, incluído o "eixo teológico". Talvez um voto de confiança tenha sido dado àqueles que, por alegado seu absoluto descompromisso com as regras epistemológicas universitárias, suscitaram a necessidade do Parecer 118/2009. Talvez, acreditem que tenhamos concordada em respeitar as regras do jogo. Talvez... Mas a nossa história, a da Teologia, me ensina a não confiar nem na Teologia nem nos teólogos. Duzentos anos de República não tiraram de nós o vício de nos considerarmos boca e ouvido de Deus. E, talvez, tenhamos acrescido a esse vício, um outro, moderno, o cinismo...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Robson Guerra disse...

Eixo Teológico?

É que os teólogos - esses aí do eixo teológico, é claro - só conseguem girar em torno de seu próprio eixo... São como o planeta Terra... Mas não querem ser da terra... Nossa que trocadilho estranho esse que arrumei.

Enfim, a política, mais uma vez, vai dar a volta na heurística, provavelmente, e tudo ficará como está: a Teologia - os teólogos do eixo - brincando de Ciência na Academia. Veja que o Eixo - do mal - Teológico (desculpe, mas não resisti, é que dá pra brincar de montão com a palavra eixo) passou a ser o primeiro. Parece que está do jeito que a Teologia - os teólogos - gosta: ela primeiro, depois os outros se acomodam à ela.

Tomara que eu esteja errado e falando um monte de besteiras...

Mas... Esse eixo está é fora dos eixos...

Uma abraço!

Robson Guerra

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