
1. Pode-se tentar contornar a questão, servindo-se de outra: o que é ser evangélico? Todavia, também essa é uma questão cada vez mais difícil de ser respondida. Além disso, trata-se, nesse caso, de uma questão viciada - ao menos no que diz respeito ao meu grau de exigência. A identidade evangélica é uma identidade relacionada a um conteúdo, e isso exige, impõe, sem negociações, a adesão a esse conteúdo. No entanto, também o conteúdo dessa identidade, pelo menos no Brasil, está sendo alterado - como negá-lo, por exemplo, no que diz respeito ao front neopentecostal? Nem mesmo culpa há na plataforma teológica ali manejada, mas vitimização: o homem como presa do diabo (eventualmente, como era nos Evangelhos, o que se caracteriza como uma curiosa ironia...) -, o que tem reverberações em toda superfície acústica da plataforma evangélica
2. A identidade protestante apontará, também, para um conteúdo? Ser protestante é, como fez Lutero, abraçar uma cristologia soteriológica de caráter alegórico-normativo? Ser protestante é ser evangélico, mas em estilo europeu? Não se consegue me vender a história de uma Reforma que se distingue do Catolicismo por conta de sua fundamentação bíblica. Isso nunca houve. O que houve foi a substituição da base retórico-política da sustentação do dogma, que antes incidia sobre o clero, para a Escritura - mas, atenção: o dogma! Nunca se abriu mão do dogma, da doutrina, da fé (no mesmo sentido em que a palavra fé é empregada em Judas) [aí está o segredo da Teologia como Metáfora - ela sabe qual é a jóia da coroa, ela sabe em que não se pode tocar]. "Livre-exame", na Reforma, era um modo de dizer "livre de Roma", ou seja, "do jeito luterano". Não tinha nada a ver - e, na prática, não tem - com "exegese crítica".
3. Certo é que a Reforma pôs a Bíblia na mão do povo. Ainda que tenha sido essa também uma ação política, que ainda funciona muito bem nas milhões de comunidades-irmãs daquela primeira - uma Escritura a legitimar uma Doutrina -, ñunca houve intenção verdadeira no sentido de problematizar a fé e perscrutar o "real" (histórico - riem-se de mim os não-fundacionais de todo tipo e justificativa...) sentido das passagens bíblicas - as Declarações de Fé das inúmeras denominações cristãs não nos deixam mentir. Ser protestant era ser um tipo diferente de católico. E ainda o é.
4. Mas o que me persegue é o que eu quero dizer quando eu mesmo digo que sou protestante. Do que estou falando? Sou-o, porque aceito as doutrinas protestantes? Mas quais? Uma cristologia nicênica? No fundo, Lutero não tem uma relação fundamental com as Escrituras. Tem com o Cristo da "floresta" - o de Nicéia, que também pomos na estrada para Damasco... Mas, quando invoco a palavra, invoco-a no sentido da liberdade em face de tudo e de todos, na direção da prerrogativa da consciência e, levando-se em conta que o digo 500 anos depois de ela ter sido proferida, em contexto, agora, pós-dogmático, pós-metafísico, exegético, crítico, emancipado. Direi: a palavra "protestante", quando a pronuncio, não tem mais a identidade disfarçada do catolicismo normativo - transformou-se em iconoclastia inexorável.
5. Ou seja: ser protestante é um modo diferente de ser católico - uma adesão a conteúdo e prática normativos? Ou ser protestante é um modo radicalmente novo - e cada vez mais novo - de lidar com as Escrituras, com a "fé", com a vida? Ser protestante tem a ver com processo de consciência? Ou tem a ver com manutenção da tradição? O que é ser, afinal, protestante? Quem sou eu, afinal? Quem é esse que me olha, agora, desde o coração da angústia?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. A identidade protestante apontará, também, para um conteúdo? Ser protestante é, como fez Lutero, abraçar uma cristologia soteriológica de caráter alegórico-normativo? Ser protestante é ser evangélico, mas em estilo europeu? Não se consegue me vender a história de uma Reforma que se distingue do Catolicismo por conta de sua fundamentação bíblica. Isso nunca houve. O que houve foi a substituição da base retórico-política da sustentação do dogma, que antes incidia sobre o clero, para a Escritura - mas, atenção: o dogma! Nunca se abriu mão do dogma, da doutrina, da fé (no mesmo sentido em que a palavra fé é empregada em Judas) [aí está o segredo da Teologia como Metáfora - ela sabe qual é a jóia da coroa, ela sabe em que não se pode tocar]. "Livre-exame", na Reforma, era um modo de dizer "livre de Roma", ou seja, "do jeito luterano". Não tinha nada a ver - e, na prática, não tem - com "exegese crítica".
3. Certo é que a Reforma pôs a Bíblia na mão do povo. Ainda que tenha sido essa também uma ação política, que ainda funciona muito bem nas milhões de comunidades-irmãs daquela primeira - uma Escritura a legitimar uma Doutrina -, ñunca houve intenção verdadeira no sentido de problematizar a fé e perscrutar o "real" (histórico - riem-se de mim os não-fundacionais de todo tipo e justificativa...) sentido das passagens bíblicas - as Declarações de Fé das inúmeras denominações cristãs não nos deixam mentir. Ser protestant era ser um tipo diferente de católico. E ainda o é.
4. Mas o que me persegue é o que eu quero dizer quando eu mesmo digo que sou protestante. Do que estou falando? Sou-o, porque aceito as doutrinas protestantes? Mas quais? Uma cristologia nicênica? No fundo, Lutero não tem uma relação fundamental com as Escrituras. Tem com o Cristo da "floresta" - o de Nicéia, que também pomos na estrada para Damasco... Mas, quando invoco a palavra, invoco-a no sentido da liberdade em face de tudo e de todos, na direção da prerrogativa da consciência e, levando-se em conta que o digo 500 anos depois de ela ter sido proferida, em contexto, agora, pós-dogmático, pós-metafísico, exegético, crítico, emancipado. Direi: a palavra "protestante", quando a pronuncio, não tem mais a identidade disfarçada do catolicismo normativo - transformou-se em iconoclastia inexorável.
5. Ou seja: ser protestante é um modo diferente de ser católico - uma adesão a conteúdo e prática normativos? Ou ser protestante é um modo radicalmente novo - e cada vez mais novo - de lidar com as Escrituras, com a "fé", com a vida? Ser protestante tem a ver com processo de consciência? Ou tem a ver com manutenção da tradição? O que é ser, afinal, protestante? Quem sou eu, afinal? Quem é esse que me olha, agora, desde o coração da angústia?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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