
1. Não é um ateu quem fala. Falo como um insider. Falo como um de nós. Não vejo saída. Uma coisa é a experiência de quem vive a "religião" desde dentro, entregue à narrativa da própria religião desde dentro. "Desde dentro", ou seja, sem analisar criticamente a narrativa a que se está entregue, tendo apenas a experiência internamente à própria cosmovisão por quem se é capturado - a que se converte. É a experiência do mito em estado puro, não observado de fora, não diluído nas águas iconoclastas da Modernidade. Nada a ver com a experiência "liberal" - que, ai!, não existe...
2. Não me façam imaginar um Schleiermacher a contemplar a narrativa teológica desde dentro. Ele não pode mais. Não Schleiermacher. Um dos pilares da Teologia Liberal - no campo da "espiritualidade" -, seu esforço deu-se no sentido de promover "garantias" para a fé cristã, uma vez que não podia mais (!) recorrer à defesa da fé por meio do recurso à revelação (isso caberá a um Barth para isso melhor talhado). Schleiermacher, contudo, pensa que pode assentar a fé na experiência, estabelecer bases antropológicas para a experiência. Mas como?
3. Àquele a quem faltam os recursos críticos das Ciências Humanas, àquele a quem faltam as ferramentas para a descontrução, desde fora, do mito religioso. A esse, sim, está reservada uma autêntica experiência religiosa. Os seus sentimentos fundem-se com a intencioladidade performativa da narrativa mítica que os recobrem e geram, e ele assim interpreta a si mesmo. Já àquele a quem chegaram as Boas Novas da Modernidade - como? A esse só resta a compreensão iconoclasta das operações psicológicas, antropolígicas, sociológicas, fenomenológicas que se processam entre a sua consciência e a sua inconsciência. Esse - sabe. Inútil lutar contra isso. Areia movediça.
4. Resta a esse - que sabe tão somente a tentativa de brincar de mito. Mas o mito, aí, está tão depauperado, tão esgarçado, tão falso, tão adulterado, que não é mais, autenticamente, mito. Schleiermacher sabe que sua emoção é apenas isso - emoção. Somente por meio de uma prestidigitação que tem paralelo na de Barth é que Schleiermacher pode pretender que a um liberal está permitida a experiência. Barth finge que ainda pode btincar de Igreja e Revelação. Schleiermacher finge que ainda pode brincar de Igreja e Emoção. Ambos mentem. Se não para si mesmos, certamente, para nós.
5. Para quem sabe, acabaram-se os dias de inocência. A esses, não diria que está vedada a religião. Diria que uma nova religião, uma nova forma de religião, se faz necessária. As tentativas de fronteira - metáfora, por exemplo - não resolvem. São negociações políticas, sejam quais forem as suas reais intenções. Fingir, contudo, que as coisas têm sentido, que as palavras são o que não são, das duas uma: prática inútil para quem vive dentro do mito, prática inútil para quem vive fora dele.
6. Como fingir que a emoção que sentimos não é fruto daquilo em que decidimos crer? Ora, a emoção passa a ser critério, valor, momento crítico revelador. Trata-se do mesmo fenômeno flagrado entre religião e política - quando o fazer supera a virtude do crer, a Piedade sai de cena, e entra o Partido. Ora, se a emoção é o critério, torna-se desnecessário o crer, e a emoção ocupa o centro de momendo do jogo religioso. Não será essa a explicação para a falta de institucionalidade dos cristianismos contemporâneos, onde - todavia! - sobra emoção?
7. A Razão mente, é verdade. "Nada" na Teologia era verdade. Mas, cuidado!, mente igualmente, e ainda mais sorrateiramente, a Emoção. Porque a Razão mentia para mim através da boca de teólogos, mas, agora que eu mesmo penso por mim mesmo, não podem mais mentir para mim. A Emoção, ao contrário, me toma como cavalo seu, e mente em mim mesmo, por meio de mim mesmo, e já sou eu a mentir minhas mentiras. Naturalmente que o leitor sabe que aqui carrego na tinta em relação à palavra "mentira" (como, de resto, em tudo que hiperbolicamente escrevo).
8. Ainda vivemos dias de tentar. A massa colossal do Medievo está aí - ainda e por ainda muito tempo -, vive sua experiência de mito, ignorando tudo quanto disso já sabemos. A "elite" informada esforça-se desesperadamente para obter modos de manterem-se as coisas tais quais estão: mito como sacramento (Bultmann), religião como cultura, cultura como religião (Tillich), um Cristianismo não-religioso (Bonfoeffer), uma autocompreensão cristã histórico-crítica (Hans Küng), uma revolução política, animada pelo mito (Teologia da Libertação). Mas, enfrentar o inelutável, quem o quer? Ainda vivemos os dias em que se espera que o socorro venha dos amigos, a darem tapinhas nas costas, a escamotearem a realidade. Não foi Deus quem morreu, companheiros, foi toda uma invenção humana - e, com ela, a forma de brincar com ela. Nossas tripas estão sob a mesa. E revelar-sé-á tragicômico o espetáculo das liturgias ensaiadas sobre elas. "Como não nos dávamos conta?". Até que seja possível encararmos a ressaca, e olhar para o novo dia que vem. Até lá, cachaça retórica na veia... quem sabe para podermos dormir à noite...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Não me façam imaginar um Schleiermacher a contemplar a narrativa teológica desde dentro. Ele não pode mais. Não Schleiermacher. Um dos pilares da Teologia Liberal - no campo da "espiritualidade" -, seu esforço deu-se no sentido de promover "garantias" para a fé cristã, uma vez que não podia mais (!) recorrer à defesa da fé por meio do recurso à revelação (isso caberá a um Barth para isso melhor talhado). Schleiermacher, contudo, pensa que pode assentar a fé na experiência, estabelecer bases antropológicas para a experiência. Mas como?
3. Àquele a quem faltam os recursos críticos das Ciências Humanas, àquele a quem faltam as ferramentas para a descontrução, desde fora, do mito religioso. A esse, sim, está reservada uma autêntica experiência religiosa. Os seus sentimentos fundem-se com a intencioladidade performativa da narrativa mítica que os recobrem e geram, e ele assim interpreta a si mesmo. Já àquele a quem chegaram as Boas Novas da Modernidade - como? A esse só resta a compreensão iconoclasta das operações psicológicas, antropolígicas, sociológicas, fenomenológicas que se processam entre a sua consciência e a sua inconsciência. Esse - sabe. Inútil lutar contra isso. Areia movediça.
4. Resta a esse - que sabe tão somente a tentativa de brincar de mito. Mas o mito, aí, está tão depauperado, tão esgarçado, tão falso, tão adulterado, que não é mais, autenticamente, mito. Schleiermacher sabe que sua emoção é apenas isso - emoção. Somente por meio de uma prestidigitação que tem paralelo na de Barth é que Schleiermacher pode pretender que a um liberal está permitida a experiência. Barth finge que ainda pode btincar de Igreja e Revelação. Schleiermacher finge que ainda pode brincar de Igreja e Emoção. Ambos mentem. Se não para si mesmos, certamente, para nós.
5. Para quem sabe, acabaram-se os dias de inocência. A esses, não diria que está vedada a religião. Diria que uma nova religião, uma nova forma de religião, se faz necessária. As tentativas de fronteira - metáfora, por exemplo - não resolvem. São negociações políticas, sejam quais forem as suas reais intenções. Fingir, contudo, que as coisas têm sentido, que as palavras são o que não são, das duas uma: prática inútil para quem vive dentro do mito, prática inútil para quem vive fora dele.
6. Como fingir que a emoção que sentimos não é fruto daquilo em que decidimos crer? Ora, a emoção passa a ser critério, valor, momento crítico revelador. Trata-se do mesmo fenômeno flagrado entre religião e política - quando o fazer supera a virtude do crer, a Piedade sai de cena, e entra o Partido. Ora, se a emoção é o critério, torna-se desnecessário o crer, e a emoção ocupa o centro de momendo do jogo religioso. Não será essa a explicação para a falta de institucionalidade dos cristianismos contemporâneos, onde - todavia! - sobra emoção?
7. A Razão mente, é verdade. "Nada" na Teologia era verdade. Mas, cuidado!, mente igualmente, e ainda mais sorrateiramente, a Emoção. Porque a Razão mentia para mim através da boca de teólogos, mas, agora que eu mesmo penso por mim mesmo, não podem mais mentir para mim. A Emoção, ao contrário, me toma como cavalo seu, e mente em mim mesmo, por meio de mim mesmo, e já sou eu a mentir minhas mentiras. Naturalmente que o leitor sabe que aqui carrego na tinta em relação à palavra "mentira" (como, de resto, em tudo que hiperbolicamente escrevo).
8. Ainda vivemos dias de tentar. A massa colossal do Medievo está aí - ainda e por ainda muito tempo -, vive sua experiência de mito, ignorando tudo quanto disso já sabemos. A "elite" informada esforça-se desesperadamente para obter modos de manterem-se as coisas tais quais estão: mito como sacramento (Bultmann), religião como cultura, cultura como religião (Tillich), um Cristianismo não-religioso (Bonfoeffer), uma autocompreensão cristã histórico-crítica (Hans Küng), uma revolução política, animada pelo mito (Teologia da Libertação). Mas, enfrentar o inelutável, quem o quer? Ainda vivemos os dias em que se espera que o socorro venha dos amigos, a darem tapinhas nas costas, a escamotearem a realidade. Não foi Deus quem morreu, companheiros, foi toda uma invenção humana - e, com ela, a forma de brincar com ela. Nossas tripas estão sob a mesa. E revelar-sé-á tragicômico o espetáculo das liturgias ensaiadas sobre elas. "Como não nos dávamos conta?". Até que seja possível encararmos a ressaca, e olhar para o novo dia que vem. Até lá, cachaça retórica na veia... quem sabe para podermos dormir à noite...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Nenhum comentário:
Postar um comentário