1. Esssa foi uma semana pesada. Sem contar o tempo de translado (de casa para o trabalho - ao todo, umas 17 horas), foram 80 horas de expediente. Oitenta intensas horas - duas semana numa só. Muita coisa aconteceu - menos do que devia, menos do que eu queria - no entanto. Todavia, dentre o que ocorreu, uma coisa me chamou atenção, ao ponto de eu me fazer ouvir, a despeito de ter sido - inicialmente? - mal compreendido.
2. Estávamos em uma reunião, teólogos e pedagogos, tratando de mudanças gerenciais que, a médio prazo, incorrerão em transformações profundas na gestão acadêmica da Instituição onde trabalho. Em algum momento da reunião, caiu-se na "vala comum" das culpabilidades pela atual situação calamitosa, e uma delas avançou para se materializar no indicativo da conduta moral de alunos.
3. Uma concorrência de vozes indicava que, para tal gravíssimo problema, teólogos e pedagogos, professores sempre, deviam insistir em orientação de caráter moral em classe. "Muito conteúdo", se dizia, e "pouca orientação moral". O resultado, por essa via de raciocínio, é que os alunos saem sem "formação moral" e, então, eis aí a receita da vida religiosa evangélica brasileira...
4. Pedi a palavra. Primeiro, não é verdade que o problema se reduza, ao menos seja especialmente, a condição moral de alunos. Os alunos vão para a Instituição advindo de Igrejas. Se há problema moral, é lá que ele se encontra. Mas essa não é a questão. Nunca foi. E, se fosse, não considero que o papel do professor seja o de educador moral. Sim, a conduta do professor, suas ações, essas, sim, devem ser, no todo, morais e éticas, mas seu papel em sala de aula é intermediar o aprendizado discente das disciplinas para as quais ele/ela é pago/a.
5. A meu ver, mas posso estar errado, não adiantam discursos morais, retóricas de espiritualidade e moralidade, se as relações concretas - principalmente as institucionais - estão todas deterioradas. Nesse caso, uma vez que o ambiente concreto está eivado de distorções - também éticas e morais -, o discurso moral em sala de aula converte-se em lição de hipocrisia, ou, no outro extremo, ativismo espiritualóide inócuo, que, não sejamos tolos, não passa despercebido por nenhum estudante, por ninguém, nem nós.
6. Se a Instituição não tem, em face de professores, funcionários e alunos, a postura ética e legal condizente com sua responsabilidade - de que valem discursos morais em sala de aula?
7. Se os professores não têm, nem em face da Instituição, nem em face dos alunos, nem em face dos funcionários, posturas e condutas morais, éticas e legais, condizentes, todas, com sua responsabilidade - qual o efeito de seu discuso moral em classe, senão a retórica do escárnio?
8. Só podemos cobrar de alunos uma postura moral, quando nós mesmos, Instituição e corpo docente, assumios, sem senões, sem "ah, mas...", nossas responsabilidades - todas - formais: legais, éticas, morais. Não me façam enumerar, uma a uma, a longa, interminável lista dos desvios de conduta legal, ética e moral de todos nós, instituição, professores, funcionários e alunos. Trata-se, apenas, de pôr o dedo na ferida, sem rasgar-lhes as carnes.
9. Quando o ambiente concreto estiver absolutamente condizente com nossas responsabilidades éticas, legais e morais; quando a Instituição cumprir todas as suas responsabilidades éticas e legais relacionadas a professores, funcionários e alunos; quando nós, professores, comportarmo-nos condizentemente com nossas responsabilidades éticas, morais e legais, seja em relação à Instituição, seja em relação à cátedra - quando isso tudo se der, qualquer desvio moral revelar-se-á, automaticamente, desajustado, indesejado, não-tolerado, e será uma simples ação de correção imediata. Mas - hoje?, agora? aqui?, em plena endemia?
10. A questão pode ser ilustrada perfeitamente por meio da analogia com o fenômeno do metrô do Rio de Janeiro. Quando foi inaugurado, há alguns anos, qalquer um que entrasse ali, vindo de sua cidade suja, surpreendia-se com a limpeza, o respeito. Era outro mundo. As pessoas, automaticamente, adaptavam-se. Nenhuma guimba de cigarro no chão, nenhum papel de bala, nada... O ambiente enquadrou-nos a todos...
11. Todavia, o metrô vai-se tornando, a cada dia, uma Empresa que não se comporta, mais, com ética e legalidade, na sua relação com os clientes. Trata-os como gado: quase oito pessoas por metro quadrado dentro de um vagão com deficiências graves de ciculação de ar e refrigeração. O ambiente mudou - não há mais respeito. Olhe para o chão, agora. Já não é mais aquele chão, já não é mais aquele metrô - malgrado ser, ainda, a mesma gente...
12. Discurso oral que nada! É a prática da ética, da legalidade, da moralidade, a prática, não os sermões, que nos faltam. A todos - professores, gestores, Instituição, alunos, funcionários. Discurso moral como "saida" da crise é, a rigor, tapete para debaixo do qual se pode jogar a responsablidade aguda de todos.
13. Mas isso é bom. É bom que não seja de discursos morais que depende a solução da gestão acadêmica, mas, antes, da gestão da condição legal, ética e moral da máquina, do sistema, do conjunto dos atores, nas suas relações institucionais, formais e concretas do dia a dia. Por que isso é bom? Porque é fácil de corrigir isso - se se quer corrigir. É tão gritante o "pecado" institucional, funcional, docente, discente, não em si, mas nas suas relações formais, que saltam aos olhos. É ter a coragem de enfrentá-los, esses pecados, e corrigi-los, e, não dou seis meses, o cenário transforma-se. Sem a necessidade de discursos morais, dos quais nossas Igrejas estão cheias, sermão atrás de sermão, homilia após homilia, sem que isso signifique, de modo algum - e pelas mesmas razões que aqui - em nenhuma hipótese, que o povo evangélico não reflita, também nos detalhes, também as características imorais, não-éticas e ilegais que caracterizam grande representação das relações culturais na nação brasileira. De alto a baixo.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Estávamos em uma reunião, teólogos e pedagogos, tratando de mudanças gerenciais que, a médio prazo, incorrerão em transformações profundas na gestão acadêmica da Instituição onde trabalho. Em algum momento da reunião, caiu-se na "vala comum" das culpabilidades pela atual situação calamitosa, e uma delas avançou para se materializar no indicativo da conduta moral de alunos.
3. Uma concorrência de vozes indicava que, para tal gravíssimo problema, teólogos e pedagogos, professores sempre, deviam insistir em orientação de caráter moral em classe. "Muito conteúdo", se dizia, e "pouca orientação moral". O resultado, por essa via de raciocínio, é que os alunos saem sem "formação moral" e, então, eis aí a receita da vida religiosa evangélica brasileira...
4. Pedi a palavra. Primeiro, não é verdade que o problema se reduza, ao menos seja especialmente, a condição moral de alunos. Os alunos vão para a Instituição advindo de Igrejas. Se há problema moral, é lá que ele se encontra. Mas essa não é a questão. Nunca foi. E, se fosse, não considero que o papel do professor seja o de educador moral. Sim, a conduta do professor, suas ações, essas, sim, devem ser, no todo, morais e éticas, mas seu papel em sala de aula é intermediar o aprendizado discente das disciplinas para as quais ele/ela é pago/a.
5. A meu ver, mas posso estar errado, não adiantam discursos morais, retóricas de espiritualidade e moralidade, se as relações concretas - principalmente as institucionais - estão todas deterioradas. Nesse caso, uma vez que o ambiente concreto está eivado de distorções - também éticas e morais -, o discurso moral em sala de aula converte-se em lição de hipocrisia, ou, no outro extremo, ativismo espiritualóide inócuo, que, não sejamos tolos, não passa despercebido por nenhum estudante, por ninguém, nem nós.
6. Se a Instituição não tem, em face de professores, funcionários e alunos, a postura ética e legal condizente com sua responsabilidade - de que valem discursos morais em sala de aula?
7. Se os professores não têm, nem em face da Instituição, nem em face dos alunos, nem em face dos funcionários, posturas e condutas morais, éticas e legais, condizentes, todas, com sua responsabilidade - qual o efeito de seu discuso moral em classe, senão a retórica do escárnio?
8. Só podemos cobrar de alunos uma postura moral, quando nós mesmos, Instituição e corpo docente, assumios, sem senões, sem "ah, mas...", nossas responsabilidades - todas - formais: legais, éticas, morais. Não me façam enumerar, uma a uma, a longa, interminável lista dos desvios de conduta legal, ética e moral de todos nós, instituição, professores, funcionários e alunos. Trata-se, apenas, de pôr o dedo na ferida, sem rasgar-lhes as carnes.
9. Quando o ambiente concreto estiver absolutamente condizente com nossas responsabilidades éticas, legais e morais; quando a Instituição cumprir todas as suas responsabilidades éticas e legais relacionadas a professores, funcionários e alunos; quando nós, professores, comportarmo-nos condizentemente com nossas responsabilidades éticas, morais e legais, seja em relação à Instituição, seja em relação à cátedra - quando isso tudo se der, qualquer desvio moral revelar-se-á, automaticamente, desajustado, indesejado, não-tolerado, e será uma simples ação de correção imediata. Mas - hoje?, agora? aqui?, em plena endemia?
10. A questão pode ser ilustrada perfeitamente por meio da analogia com o fenômeno do metrô do Rio de Janeiro. Quando foi inaugurado, há alguns anos, qalquer um que entrasse ali, vindo de sua cidade suja, surpreendia-se com a limpeza, o respeito. Era outro mundo. As pessoas, automaticamente, adaptavam-se. Nenhuma guimba de cigarro no chão, nenhum papel de bala, nada... O ambiente enquadrou-nos a todos...
11. Todavia, o metrô vai-se tornando, a cada dia, uma Empresa que não se comporta, mais, com ética e legalidade, na sua relação com os clientes. Trata-os como gado: quase oito pessoas por metro quadrado dentro de um vagão com deficiências graves de ciculação de ar e refrigeração. O ambiente mudou - não há mais respeito. Olhe para o chão, agora. Já não é mais aquele chão, já não é mais aquele metrô - malgrado ser, ainda, a mesma gente...
12. Discurso oral que nada! É a prática da ética, da legalidade, da moralidade, a prática, não os sermões, que nos faltam. A todos - professores, gestores, Instituição, alunos, funcionários. Discurso moral como "saida" da crise é, a rigor, tapete para debaixo do qual se pode jogar a responsablidade aguda de todos.
13. Mas isso é bom. É bom que não seja de discursos morais que depende a solução da gestão acadêmica, mas, antes, da gestão da condição legal, ética e moral da máquina, do sistema, do conjunto dos atores, nas suas relações institucionais, formais e concretas do dia a dia. Por que isso é bom? Porque é fácil de corrigir isso - se se quer corrigir. É tão gritante o "pecado" institucional, funcional, docente, discente, não em si, mas nas suas relações formais, que saltam aos olhos. É ter a coragem de enfrentá-los, esses pecados, e corrigi-los, e, não dou seis meses, o cenário transforma-se. Sem a necessidade de discursos morais, dos quais nossas Igrejas estão cheias, sermão atrás de sermão, homilia após homilia, sem que isso signifique, de modo algum - e pelas mesmas razões que aqui - em nenhuma hipótese, que o povo evangélico não reflita, também nos detalhes, também as características imorais, não-éticas e ilegais que caracterizam grande representação das relações culturais na nação brasileira. De alto a baixo.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
Então... coragem!
Um abraço,
Elias Aguiar
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