1. Mentiram-te, e lamento, mas não há, não, nada, absolutamnte nada mais mimoso que os pés de Bel. E isso é, inclusive, um fato teológico, porque implica em questões profundas, da ordem da metafísica. Conto.
2. Deus os fez para serem de anjos, ele dizia, ao desenhá-los, ao contornar seus traços mimosos com cera de asas de serafins, e, tão graciosos terminaram por ser, que, por isso, mudou seus planos - não seria, essa, uma mulher, mas uma anja. Pés assim, mimosos assim, por que haveriam de pisar a terra? Não - a terra não é lugar, pensava, para pôr pés tão cândidos...
3. Mas, cansado, Deus cochilou. Ora, mimosos eram os pés, mas, o resto, de astutícima mulher. E ela, agarrando-se em nuvens, em copas de sequóias, desceu, e, quando Deus se deu por si, ela gritou: agora é tarde, já os sujei... são, agora, de gente da terra, e esses, dessa mulher que fizeste, que se fez...
4. A Deus não coube mais nada a fazer, senão dar de ombros e anotar que, outra vez, não cochilaria, que ainda há muito trabalho a fazer. Que faça. Que seja, ele disse, para fazer de contas que era sua a questão.
5. Cá embaixo, distraída, Bel esbarrou em mim. E, desde então, caminham juntos, quatro pés, e, quem olha, logo percebe que estão juntos ali dois mundos, porque nunca que se teriam feito pés assim, para andar sobre a laje fria da vida.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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