terça-feira, 17 de março de 2009

(2009/086) Meu estranho atrator de mim


1. Se eu disser que estou inacabado, que não estou pronto, que sou incompleto, até chego a dizer algo que me vai aqui no fundo da alma, lá, na solidão inacessível de meu desespero. Todavia, estaria, a rigor, traindo-me. porque dizer que se está inacabado é considerar que há uma meta, um "fim", um objetivo, uma forma definitiva e acabada, como quando um escultor tem a imagem da obra em sua cabeça, e a plasma, com as mãos, em mármore, barro ou madeira - ele olha para ela e vê, materializada, a sua idéia, aquela, aquela mesma que lhe nascera, modelar e inerte, na mente...

2. Mas e quanto a mim, homem humano? Quem me pensou em que cabeça? Quem me tem acorrentado a um projeto? A que "fim", a que "estágio terminal" me haveria de submeter, por medida e palmo? Como posso considerar-me, assim, inacabado, se não há um termo, lá, no futuro, desde o qual, olhando, então, para hoje, desse hoje eu pudesse dizer que, em relação àquele amanhã, estou, assim, inacabado? Não há esse ponto futuro, ponto fechado, pré-estabelecido. Não há. Por que, lá chegando, não terei chegado a lugar algum, senão que estaria, ainda, a interminável caminho de mim mesmo. Eu sou uma postergação de mim. Não há artista fora de mim, que me molde, que me apare as arestas na direção da mimese de um outro eu. Eu, só esse, e esse aqui, esse agora, Osvaldo, prazer.

3. E, no entanto, esse eu avança, caminha sobre seu próprio corpo, supera-o, destroça-o, sempre, para além de si mesmo. Quem o atrai? Aqui há um mistério extraordinário: aquele que hei de ser amanhã - esse atrator estranho - desde o futuro me atrai em direção a si mesmo, sem, contudo, saber quem será, porque só o será quando o for. Todavia, antes mesmo de o ser, é, e, sendo, ainda que assim, dessa forma estranha, atrai-me para mim mesmo. Um outro eu me atrai para longe de mim mesmo - longe esse que é meu nome...

4. Daí que eu, hoje, sou uma pessoa estranha, que nem é o que há de ser, quando for, nem será o que é, porque a cada transformação, aqui e agora, não apenas se transforma a si mesmo aqui e agora, como, ainda, transforma aquele que me espera lá na frente - e que nem ainda é. Fenômeno dos fenômenos, esse que nem é, mas já é transformado, permanece atrator, cada vez mais estranho, a atrair para si, esse eu que vou sendo, por mim atraído, um eu que é, e não é mais, que foi, vai sendo, caminhando para os braços de um eu que nem é, mas que, não sendo, ainda, é, contudo, como se fosse.

5. Não, não me conheço, definitivamente. Antes de chegar a reconhecer-me, já terei deixado de ser eu, para aproximar-se de ser aquele que me espera no cadinho das mutações estranhas. Eu sou, sempre, outro, a caminho de mim mesmo...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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