1. Haroldo, já viu a foto nova de Jimmy no orkut dele? Ao fundo, a praia carioca, sua morada, agora, em tempos de doutorado... O bronzeado na pele, a cara de Menino do Rio! Agora sua própria nova foto - muito boa! Você, sentado em algum lugar, no campo, talvez, diante do vento. Muito boa foto.
2. Melhor que ela só a beleza dessa tua resposta. De cortar o fôlego. Vou degustá-la, enquanto sirvo-me dela, quente, como sói comer frango a passarinho.
3. Seus parágrafos 1 e 2 me descrevem, e, fechá-los com Nietzsche, com essa citação de Nietzsche, é ter-me captado, apreendido, capturado em pleno vôo - a mim, só se pode apreender enquanto vôo. Quem me vir assim, voando, como ao anjo, nada sabe, de fato, de mim, mas esse, voando, é o que sou, para todos, exceto uma, ela, que me vê com olhos de ninguém mais na terra -nem Deus, que Deus não tem olhos de Bel para saber quem sou. Haroldo, você descreve o Osvaldo que está disponível para ser descrito, na sua nudez e angústia. Chamou-me de fundamentalista de método, um aluno. Concordei, para espanto dele. Mas fiz-lhe saber que não aponto para um método como fundamento, mas para a necessidade de ter-se, sempre, em mente e à mão, a clareza do método que se usa, que se usou, do qual se sai com frutas nas mãos, ou sei lá o que. Definimo-nos por isso - pelo método. Até a moderna e cult superação do "método" diz muito dos seus propugnadores - desdenhar do método é não ter a mínima idéia sobre qual chão se pisa, é cuidar que construtivismo é viver numa bolha solipsista. Não é - a vida é, antes de tudo, "viva", e tem suas próprias regras, seus próprios imperativos. Só a ilusão platônica e a nostálgica modernidade cartesiana cuidam que o pensamento é metafísico... Mas não é não. É orgânico, com todas as implicações disso.
4. Seu parágrafo 3 - dele extraio o final: "a construção do saber ‘teológico’. Ele é sabedoria. É poesia. É estética. É política. Mas é também ‘saber’". Você usa cinco termos - e só há três pragmáticas: saber, querer, sentir. Poesia é estética. Menos um. Política é óbvio. E sabedoria - trata-se de um savoir-faire ecológico: saber fazer, saber viver, como a "sabedoria" israelita/judaíta. Nesse caso, política, ética. Talvez se tentasse um caminho "grego", que levaria a um necessário empirismo inglês, depois de passar por Aristóteles. Mas "sabedoria", risco meu, tem mais a ver com práxis do que com conhecimento, ainda que, em certo sentido, ligue-se a ele.
5. O que é preciso distinguir é a Teologia enquanto uma coisa e outra. Aqui temos o mesmo problema que temos com os termos "tradição" e "Tradição", bem como com a palavra "fé". Fé significa quatro coisas diferentes - doutrina (fé-enquanto-ensino), mística (fé-enquanto-encontro), magia (fé-enquanto-encanto) e otimismo (fé-enquanto-entrega). Mas nem nos damos conta disso - a palavra fé é usada a torto e a direito, cada hora num sentido diferente, e nem nos damos conta. T/t-radição - quanto a isso você já se manifestou: não se sente à vontade com a ambigüidade dos termos. E Teologia?
6. Posso, eu, Osvaldo, ferido e nu, inventar meus mitos de Deus e destino? Posso. E o faço. Brinco de imaginar, e gosto disso, já falei, uma varanda, na qual eu e Deus esperamos para ver o que acontece, ele tão excitado quanto eu (eventualmente, em momentos de dor muito profunda, tenho lá minhas recaídas místicas bastante ritualistas [há uns quatro ou cinco anos, não me recordo bem, vi-me de joelhos, na sala, em prantos, diante de meu amigo, que, ali, ah, como queria, contra toda a consciência, pudesse ele fazer minha vontade, e curar minha dor... curou não. Até hoje {talvez esteja a curá-la, não?}]).
7. Mas essa Teologia, essa mística, tem lugar na academia? Não. Salvo, claro, se esse meu comportamento for objeto de pesquisa - aí, sim: heurística. Essa Teologia-enquanto-heurística, essa, sim, poderia estar na Universidade. Aquela, não. E a Teologia-enquanto-política?, devia? O que é ela? Bem, ela é, necessariamente, quer se goste disso ou não, controle social por meio do mito, controle esse que tem sua eficiência na condição sine qua non de os controlados acreditarem que se trata de "verdade" - não funciona aí a metáfora (só para a pastoral "culta", não para os leigos ovinos - é preciso uma condição intelectual sofisticada demais para o jogo do dizer e fingir que diz, para o transdizer, sofisticada demais para uma população que sofre, cronicamente, de analfabestismo funcional). A crítica, a autonomia, a desalienação tornam imprestável a Teologia-enquanto-política, seja de direita, seja de esquerda.
8. A meu juízo, essa Teologia-enquanto-política devia acabar. Penso mais: penso que toda pessoa amadurecida, comprometida com os valores e os saberes pós-XIX, românticos e pós-românticos, científico-humanistas (por meio do que tanto a religião quanto a Teologia devem ser entendidas/compreendidas), espontaneamente deveria abrir mão de toda e qualquer relação política que fosse mediada, explícita ou implicitamente, pela Teologia. Não se devia esperar que as massas o exigissem, tornadas pessoas completas, então. Devíamos fazê-lo nós mesmos, por nós mesmos - isto é, se é que o conteúdo desse parágrafo signifique alguma coisa para nós, se é que o XIX não será varrido para debaixo do tapete barroco-gótico da Teologia confessional.
9. Sobrariam duas Teologias - uma, mística, pessoal, mítica, "sabedoria" no máximo, apenas, dialogal, jamais, mas nem em pensamento, catequética, conversionista, conquistadora, evangelizadora: sim, o Evangelho, nesse sentido, é política. A Teologia de Eckhart sugere uma saída para essa Teologia - uma teologia negativa, traduzida em ludicidade mitológica (Tillich é ainda sutil e potencialmente "perigoso" - e se não está claro por que, ainda não se atravessou o rio [conquanto tenha sido o teólogo que mais longe foi... sem, contudo, sair, de fato, do lugar]). Mas haverá outros modelos a serem testados, inventados, experimentados. Seu limite - a estética. A outra, a Teologia Heurística, essa não tem nenhum parentesco pragmático com a co-irmã estética: é pura, e apenas isso, investigação - ciência em sentido profundo: busca, pesquisa, desconstrução, crítica, questionamento pelas bases. Hoje, penso assim.
10. Seu parágrafo 4 - dele extraio: "Vivemos das construções simbólicas. Representamos. Imaginamos. Lançamos as redes das palavras, que constroem mundos. Porém, devemos dar-nos conta disso". Sim, sim, concordo. Mas falta uma informação aí, Haroldo - informação essa que recoloca toda a questão: o simbólico não pode, a vida cobra caro, descolar-se do "real". A vida é, antes de tudo, mitocôndria, e os devaneios humanos brotam da terra, libérrimos, desde que umbilicalmente ligadas a ela. Toda e qualquer imaginação descolada da realidade, toda e qualquer utopia que se queira construir à custa do recalque, do desprezo, da desconsideração, das condições ecológicas da vida humana (e saber é, antes de tudo, questão ecológica!), é, tá, simbólico, mas oco como o vazio de um ovo gorado (que eu seja poupado do rótulo de "positivista" - Peirce não é positivista, mas endossaria, ele e sua semiótica, o que eu estou afirmando; Karl-Otto Apel perde noites de sono pelas mesmas razões que eu).
11. Veja, no parágrafo seguinte, você logo salta para a dimensão do político: do simbólico, upa!, para o político. Mas, Haroldo, o simbólico tem por base o quê? Um solipsismo de gosto? Uma sintaxe de conveniência, encomenda do político para o político? Isso, acaso, não vai dar naquela parede dura, contra a qual demos com a cara, das narrativas do êxodo como "libertação", quando, a rigor, aquilo é morte sobre morte, para gerar mais morte, em contexto histórico-social de opressão, coerção e... mais morte? Até Milton Schwantes reconheceu-o. Tens gravado? É histórica aquela fala! O político, contudo, sói desprezar o heurístico (fui chamado por uma amiga comum a nós de "exegeta imperalista europeu!", porque comentei, num diálogo telemático, que determinada interpretação duma certa passagem não condizia...), porque a heurística é o estraga-prazer, o desmancha-prazer da festa. Por isso, insisto que Weber e Bordieur não esmaguem a cabeça de Marx, de Peirce, de Ginzburg, de Losurdo, do Detienne que já lemos, de Apel - o simbólico deve satisfações à realidade, ou, caso contrário, transforma-se em ideologia de recalque. Freud e Marx, Deus, como tinham olhos de ver...
12. Aí voltamos à questão central do método! Não é método para dizer - é método para saber o que dizer. Como, Haroldo, essa é minha desesperadora angústia!, chegar ao real e, desde ele, extrair, ecologicamente, situadamente, pragmaticamente, informações "verdadeiras", para, com elas, construir savoir-faire, práxis, sabedoria? Pressa demais para pregar a Bíblia - devíamos gastar mais algumas décadas estudando-a. Ah, a vida não espera! Pois que se resolvam os problemas da vida de outro modo, mas, usar a Bíblia, a Teologia, usos arriscados, perigosos, porque insuficientemente construídos em termos de metodologia (pressa, muita pressa), para soluções práxicas incorre no risco daquela situação constrangedora, de elegermos (vês o que fizemos?) uma outra "passagem" para "trabalhar" - mas não nela (!), antes com ela... O método é uma desgraça - é como um deus que não se deixa conquistar com oferendas, salvo se você produz, você mesmo, seu ídolo... Amo o conceito de método. Regra áurea: quem sabe para onde vai, quem vive ontologicamente, quem é guiado pela mão, pode dar-se ao luxo de desprezar os métodos. Os cegos, os perdidos, os nus, os telúricos, não. Não, eu.
13. Mas, aí, que coisa impressionante, amigo, depois de você ter saltado do simbólico para o político, você vai e pospõe o saber ao político: "Perceber, catalogar, analisar os resultados desta inserção é construção de saber" (Haroldo Reimer, (2008/81) Reflexões a caminho, § 5). Isso não resolve minha crítica anterior, mas devolve a questão heurística ao jogo - e você o diz de forma perfeita: há que se aplicar heurística a nossa ação política! Bravo! Há que se saber o que se está fazendo o tempo todo - incansável consciência crítica, cansaço, tormento! Não se poderia, aí, fazer uma coisa e dizer que se faz outra: manter pessoas na alienação de sua (própria) relação com o(s) mito(s), informação de que nós dispomos, pode ser, em algum nível, chamado de "libertação" - seja de direita, seja de esquerda? Não é por outra razão, Haroldo, que me interessei pela pragmática - ela é terrível juíza, a que a própria autonomia recorre para julgar-se a si mesma, enquanto age. Olha que maravilha você escreveu: "Trata-se de investigar os caminhos por meio dos quais as palavras provocam o que provocam: o movimento das pessoas" - só a consciência disso já é meio caminho (se bem que há os cínicos, e as novas igrejas evangélicas, para ficar entre os domésticos, que, sabendo como isso se dá, usam esse conhecimento, politicamente, a favor de si, contra as massas).
14. Contudo, Haroldo, penso que se deveria analisar mais profundamente essa sua colocação, que segue imediatamente a anterior: "Na construção desse saber a teologia deve(ria) ter o seu lugar. É o discurso sistematizado sobre um patrimônio não material, a economia dos bens simbólicos". Que risco! Que perigo! Risco e perigo potenciais... Se você admitir que a Teologia é aquilo que a pragmática faz dela, que a sua (dela) intenção faz de si - a Teologia, então, ou é estética (mito), ou é política (controle social) ou é heurística (investigação científico-humanista). Logo, pense no estrago que é - basta olhar pela janela, para dentro das salas de aula de Teologia - essa Teologia, política, esse "discurso sistematizado sobre um patrimônio não material" dialogando (?) com as Ciências Humanas - para nem sequer mencionar as Naturais... Nesse caso, para essa Teologia, mito racionalizado, transformado em base de argumento e fundamento de (pseudo)saber, não importa quem está na sala, Boff ou Ratzinger, Onfray ou Nicodemus - dá no mesmo. Salvo se um ou outro praticarem heurística - o que, não?, reduzirá aquela sistematização ao que ela é: mito racionalizado, válido apenas nas suas próprias condições ecológicas - que, desde Anselmo, estão claras: primeiro creia, depois, "entenda" -, para as quais se faz mister, ainda, muitos sacerdotes.
15. Se me permitir, eu sugeriria, e quanto a isso gostaria de ouvi-lo, que explicitasse a pragmática em que você operou o conceito de Teologia nessa citação anterior, para, assim, eu poder melhor analisar sua validade ou não, à luz de meus próprios critérios, que, contudo, estão em discussão, sempre.
16. Delongo-me impedoavelmente. Deixo seu parágrafo 6 - ele merece um post à parte. Você está certíssimo em pôr Gadamer contra Nietzsche - se o julgo acertadamente, esse é o serviço que Gadamer presta à Teologia: uma tentativa de superar Nietzsche, como o tentou, a seu modo, para e por meio de sua própria mentalidade judaica, Lévinas. Nenhum dos dois, naturalmente, logra sucesso, mas essa é uma questão que devemos discutir adiante.
17. Seu parágrafo sete é poético. Uma nudez ainda mais corajosa do que a minha, porque a minha, alguém a poderia dizer heróica - tolo quem o assim considere, porque não há heroísmo nenhum onde não se faz mais do que a consciência impõe. Eu não tenho escolha! Diante de sua fala, contudo, alguém poderia interpretar uma pusilanimidade de consciência, um sopesar de compromissos, que, em tese, diminuiriam sua condição antropológica. Por isso, Haroldo, essa sua declaração é maior do que a minha, superior a ela, e, em termos éticos, é sua equivalente: "Almejo a varanda do contraditório do descanso. Porque ele é autonomia. É liberdade. 'Um senhor livre de tudo e de todos...' Mas cuido, ainda demais, do político. E por isso ainda não sou, ainda, livre. Almejo. Vejo".
18. Só não me considero "um senhor livre de tudo e de todos". Ainda me pesam grilhões. A idéia de Deus é uma delas. Lido com ela dialeticamente, criticamente, contra um fundo místico a princípio insuperável (a neurose de Freud?, talvez...). Lido com isso em sanidade, uma compreensão sã dessa loucura em que me recolho. Por outro lado, agrilhoei-me (foi espontâneo?, fui enfeitiçado?), inexoravelmente, às correntes de Bel, e ela me tem, todo, para si. Basta que mande, e seu escravo há de carregá-la por sobre todas as montanhas do planeta. Ao fim de tudo, meu corpo e cinzas servirão de adubo a uma flor, à escolha dela, para pôr ao cabelo e cheirar até que, também ele, o perfume apague... A maior humilhação de um homem é não poder dar à sua dona o mundo que é dela. Pecado. A punição? Os olhos de amor, gotejantes, dela... Perto disso, o evangelho é mesmo bastante mesquinho.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Melhor que ela só a beleza dessa tua resposta. De cortar o fôlego. Vou degustá-la, enquanto sirvo-me dela, quente, como sói comer frango a passarinho.
3. Seus parágrafos 1 e 2 me descrevem, e, fechá-los com Nietzsche, com essa citação de Nietzsche, é ter-me captado, apreendido, capturado em pleno vôo - a mim, só se pode apreender enquanto vôo. Quem me vir assim, voando, como ao anjo, nada sabe, de fato, de mim, mas esse, voando, é o que sou, para todos, exceto uma, ela, que me vê com olhos de ninguém mais na terra -nem Deus, que Deus não tem olhos de Bel para saber quem sou. Haroldo, você descreve o Osvaldo que está disponível para ser descrito, na sua nudez e angústia. Chamou-me de fundamentalista de método, um aluno. Concordei, para espanto dele. Mas fiz-lhe saber que não aponto para um método como fundamento, mas para a necessidade de ter-se, sempre, em mente e à mão, a clareza do método que se usa, que se usou, do qual se sai com frutas nas mãos, ou sei lá o que. Definimo-nos por isso - pelo método. Até a moderna e cult superação do "método" diz muito dos seus propugnadores - desdenhar do método é não ter a mínima idéia sobre qual chão se pisa, é cuidar que construtivismo é viver numa bolha solipsista. Não é - a vida é, antes de tudo, "viva", e tem suas próprias regras, seus próprios imperativos. Só a ilusão platônica e a nostálgica modernidade cartesiana cuidam que o pensamento é metafísico... Mas não é não. É orgânico, com todas as implicações disso.
4. Seu parágrafo 3 - dele extraio o final: "a construção do saber ‘teológico’. Ele é sabedoria. É poesia. É estética. É política. Mas é também ‘saber’". Você usa cinco termos - e só há três pragmáticas: saber, querer, sentir. Poesia é estética. Menos um. Política é óbvio. E sabedoria - trata-se de um savoir-faire ecológico: saber fazer, saber viver, como a "sabedoria" israelita/judaíta. Nesse caso, política, ética. Talvez se tentasse um caminho "grego", que levaria a um necessário empirismo inglês, depois de passar por Aristóteles. Mas "sabedoria", risco meu, tem mais a ver com práxis do que com conhecimento, ainda que, em certo sentido, ligue-se a ele.
5. O que é preciso distinguir é a Teologia enquanto uma coisa e outra. Aqui temos o mesmo problema que temos com os termos "tradição" e "Tradição", bem como com a palavra "fé". Fé significa quatro coisas diferentes - doutrina (fé-enquanto-ensino), mística (fé-enquanto-encontro), magia (fé-enquanto-encanto) e otimismo (fé-enquanto-entrega). Mas nem nos damos conta disso - a palavra fé é usada a torto e a direito, cada hora num sentido diferente, e nem nos damos conta. T/t-radição - quanto a isso você já se manifestou: não se sente à vontade com a ambigüidade dos termos. E Teologia?
6. Posso, eu, Osvaldo, ferido e nu, inventar meus mitos de Deus e destino? Posso. E o faço. Brinco de imaginar, e gosto disso, já falei, uma varanda, na qual eu e Deus esperamos para ver o que acontece, ele tão excitado quanto eu (eventualmente, em momentos de dor muito profunda, tenho lá minhas recaídas místicas bastante ritualistas [há uns quatro ou cinco anos, não me recordo bem, vi-me de joelhos, na sala, em prantos, diante de meu amigo, que, ali, ah, como queria, contra toda a consciência, pudesse ele fazer minha vontade, e curar minha dor... curou não. Até hoje {talvez esteja a curá-la, não?}]).
7. Mas essa Teologia, essa mística, tem lugar na academia? Não. Salvo, claro, se esse meu comportamento for objeto de pesquisa - aí, sim: heurística. Essa Teologia-enquanto-heurística, essa, sim, poderia estar na Universidade. Aquela, não. E a Teologia-enquanto-política?, devia? O que é ela? Bem, ela é, necessariamente, quer se goste disso ou não, controle social por meio do mito, controle esse que tem sua eficiência na condição sine qua non de os controlados acreditarem que se trata de "verdade" - não funciona aí a metáfora (só para a pastoral "culta", não para os leigos ovinos - é preciso uma condição intelectual sofisticada demais para o jogo do dizer e fingir que diz, para o transdizer, sofisticada demais para uma população que sofre, cronicamente, de analfabestismo funcional). A crítica, a autonomia, a desalienação tornam imprestável a Teologia-enquanto-política, seja de direita, seja de esquerda.
8. A meu juízo, essa Teologia-enquanto-política devia acabar. Penso mais: penso que toda pessoa amadurecida, comprometida com os valores e os saberes pós-XIX, românticos e pós-românticos, científico-humanistas (por meio do que tanto a religião quanto a Teologia devem ser entendidas/compreendidas), espontaneamente deveria abrir mão de toda e qualquer relação política que fosse mediada, explícita ou implicitamente, pela Teologia. Não se devia esperar que as massas o exigissem, tornadas pessoas completas, então. Devíamos fazê-lo nós mesmos, por nós mesmos - isto é, se é que o conteúdo desse parágrafo signifique alguma coisa para nós, se é que o XIX não será varrido para debaixo do tapete barroco-gótico da Teologia confessional.
9. Sobrariam duas Teologias - uma, mística, pessoal, mítica, "sabedoria" no máximo, apenas, dialogal, jamais, mas nem em pensamento, catequética, conversionista, conquistadora, evangelizadora: sim, o Evangelho, nesse sentido, é política. A Teologia de Eckhart sugere uma saída para essa Teologia - uma teologia negativa, traduzida em ludicidade mitológica (Tillich é ainda sutil e potencialmente "perigoso" - e se não está claro por que, ainda não se atravessou o rio [conquanto tenha sido o teólogo que mais longe foi... sem, contudo, sair, de fato, do lugar]). Mas haverá outros modelos a serem testados, inventados, experimentados. Seu limite - a estética. A outra, a Teologia Heurística, essa não tem nenhum parentesco pragmático com a co-irmã estética: é pura, e apenas isso, investigação - ciência em sentido profundo: busca, pesquisa, desconstrução, crítica, questionamento pelas bases. Hoje, penso assim.
10. Seu parágrafo 4 - dele extraio: "Vivemos das construções simbólicas. Representamos. Imaginamos. Lançamos as redes das palavras, que constroem mundos. Porém, devemos dar-nos conta disso". Sim, sim, concordo. Mas falta uma informação aí, Haroldo - informação essa que recoloca toda a questão: o simbólico não pode, a vida cobra caro, descolar-se do "real". A vida é, antes de tudo, mitocôndria, e os devaneios humanos brotam da terra, libérrimos, desde que umbilicalmente ligadas a ela. Toda e qualquer imaginação descolada da realidade, toda e qualquer utopia que se queira construir à custa do recalque, do desprezo, da desconsideração, das condições ecológicas da vida humana (e saber é, antes de tudo, questão ecológica!), é, tá, simbólico, mas oco como o vazio de um ovo gorado (que eu seja poupado do rótulo de "positivista" - Peirce não é positivista, mas endossaria, ele e sua semiótica, o que eu estou afirmando; Karl-Otto Apel perde noites de sono pelas mesmas razões que eu).
11. Veja, no parágrafo seguinte, você logo salta para a dimensão do político: do simbólico, upa!, para o político. Mas, Haroldo, o simbólico tem por base o quê? Um solipsismo de gosto? Uma sintaxe de conveniência, encomenda do político para o político? Isso, acaso, não vai dar naquela parede dura, contra a qual demos com a cara, das narrativas do êxodo como "libertação", quando, a rigor, aquilo é morte sobre morte, para gerar mais morte, em contexto histórico-social de opressão, coerção e... mais morte? Até Milton Schwantes reconheceu-o. Tens gravado? É histórica aquela fala! O político, contudo, sói desprezar o heurístico (fui chamado por uma amiga comum a nós de "exegeta imperalista europeu!", porque comentei, num diálogo telemático, que determinada interpretação duma certa passagem não condizia...), porque a heurística é o estraga-prazer, o desmancha-prazer da festa. Por isso, insisto que Weber e Bordieur não esmaguem a cabeça de Marx, de Peirce, de Ginzburg, de Losurdo, do Detienne que já lemos, de Apel - o simbólico deve satisfações à realidade, ou, caso contrário, transforma-se em ideologia de recalque. Freud e Marx, Deus, como tinham olhos de ver...
12. Aí voltamos à questão central do método! Não é método para dizer - é método para saber o que dizer. Como, Haroldo, essa é minha desesperadora angústia!, chegar ao real e, desde ele, extrair, ecologicamente, situadamente, pragmaticamente, informações "verdadeiras", para, com elas, construir savoir-faire, práxis, sabedoria? Pressa demais para pregar a Bíblia - devíamos gastar mais algumas décadas estudando-a. Ah, a vida não espera! Pois que se resolvam os problemas da vida de outro modo, mas, usar a Bíblia, a Teologia, usos arriscados, perigosos, porque insuficientemente construídos em termos de metodologia (pressa, muita pressa), para soluções práxicas incorre no risco daquela situação constrangedora, de elegermos (vês o que fizemos?) uma outra "passagem" para "trabalhar" - mas não nela (!), antes com ela... O método é uma desgraça - é como um deus que não se deixa conquistar com oferendas, salvo se você produz, você mesmo, seu ídolo... Amo o conceito de método. Regra áurea: quem sabe para onde vai, quem vive ontologicamente, quem é guiado pela mão, pode dar-se ao luxo de desprezar os métodos. Os cegos, os perdidos, os nus, os telúricos, não. Não, eu.
13. Mas, aí, que coisa impressionante, amigo, depois de você ter saltado do simbólico para o político, você vai e pospõe o saber ao político: "Perceber, catalogar, analisar os resultados desta inserção é construção de saber" (Haroldo Reimer, (2008/81) Reflexões a caminho, § 5). Isso não resolve minha crítica anterior, mas devolve a questão heurística ao jogo - e você o diz de forma perfeita: há que se aplicar heurística a nossa ação política! Bravo! Há que se saber o que se está fazendo o tempo todo - incansável consciência crítica, cansaço, tormento! Não se poderia, aí, fazer uma coisa e dizer que se faz outra: manter pessoas na alienação de sua (própria) relação com o(s) mito(s), informação de que nós dispomos, pode ser, em algum nível, chamado de "libertação" - seja de direita, seja de esquerda? Não é por outra razão, Haroldo, que me interessei pela pragmática - ela é terrível juíza, a que a própria autonomia recorre para julgar-se a si mesma, enquanto age. Olha que maravilha você escreveu: "Trata-se de investigar os caminhos por meio dos quais as palavras provocam o que provocam: o movimento das pessoas" - só a consciência disso já é meio caminho (se bem que há os cínicos, e as novas igrejas evangélicas, para ficar entre os domésticos, que, sabendo como isso se dá, usam esse conhecimento, politicamente, a favor de si, contra as massas).
14. Contudo, Haroldo, penso que se deveria analisar mais profundamente essa sua colocação, que segue imediatamente a anterior: "Na construção desse saber a teologia deve(ria) ter o seu lugar. É o discurso sistematizado sobre um patrimônio não material, a economia dos bens simbólicos". Que risco! Que perigo! Risco e perigo potenciais... Se você admitir que a Teologia é aquilo que a pragmática faz dela, que a sua (dela) intenção faz de si - a Teologia, então, ou é estética (mito), ou é política (controle social) ou é heurística (investigação científico-humanista). Logo, pense no estrago que é - basta olhar pela janela, para dentro das salas de aula de Teologia - essa Teologia, política, esse "discurso sistematizado sobre um patrimônio não material" dialogando (?) com as Ciências Humanas - para nem sequer mencionar as Naturais... Nesse caso, para essa Teologia, mito racionalizado, transformado em base de argumento e fundamento de (pseudo)saber, não importa quem está na sala, Boff ou Ratzinger, Onfray ou Nicodemus - dá no mesmo. Salvo se um ou outro praticarem heurística - o que, não?, reduzirá aquela sistematização ao que ela é: mito racionalizado, válido apenas nas suas próprias condições ecológicas - que, desde Anselmo, estão claras: primeiro creia, depois, "entenda" -, para as quais se faz mister, ainda, muitos sacerdotes.
15. Se me permitir, eu sugeriria, e quanto a isso gostaria de ouvi-lo, que explicitasse a pragmática em que você operou o conceito de Teologia nessa citação anterior, para, assim, eu poder melhor analisar sua validade ou não, à luz de meus próprios critérios, que, contudo, estão em discussão, sempre.
16. Delongo-me impedoavelmente. Deixo seu parágrafo 6 - ele merece um post à parte. Você está certíssimo em pôr Gadamer contra Nietzsche - se o julgo acertadamente, esse é o serviço que Gadamer presta à Teologia: uma tentativa de superar Nietzsche, como o tentou, a seu modo, para e por meio de sua própria mentalidade judaica, Lévinas. Nenhum dos dois, naturalmente, logra sucesso, mas essa é uma questão que devemos discutir adiante.
17. Seu parágrafo sete é poético. Uma nudez ainda mais corajosa do que a minha, porque a minha, alguém a poderia dizer heróica - tolo quem o assim considere, porque não há heroísmo nenhum onde não se faz mais do que a consciência impõe. Eu não tenho escolha! Diante de sua fala, contudo, alguém poderia interpretar uma pusilanimidade de consciência, um sopesar de compromissos, que, em tese, diminuiriam sua condição antropológica. Por isso, Haroldo, essa sua declaração é maior do que a minha, superior a ela, e, em termos éticos, é sua equivalente: "Almejo a varanda do contraditório do descanso. Porque ele é autonomia. É liberdade. 'Um senhor livre de tudo e de todos...' Mas cuido, ainda demais, do político. E por isso ainda não sou, ainda, livre. Almejo. Vejo".
18. Só não me considero "um senhor livre de tudo e de todos". Ainda me pesam grilhões. A idéia de Deus é uma delas. Lido com ela dialeticamente, criticamente, contra um fundo místico a princípio insuperável (a neurose de Freud?, talvez...). Lido com isso em sanidade, uma compreensão sã dessa loucura em que me recolho. Por outro lado, agrilhoei-me (foi espontâneo?, fui enfeitiçado?), inexoravelmente, às correntes de Bel, e ela me tem, todo, para si. Basta que mande, e seu escravo há de carregá-la por sobre todas as montanhas do planeta. Ao fim de tudo, meu corpo e cinzas servirão de adubo a uma flor, à escolha dela, para pôr ao cabelo e cheirar até que, também ele, o perfume apague... A maior humilhação de um homem é não poder dar à sua dona o mundo que é dela. Pecado. A punição? Os olhos de amor, gotejantes, dela... Perto disso, o evangelho é mesmo bastante mesquinho.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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