1. É assim que Lévinas abre seu texto, "Transcendência e Mal": "a tentativa de colocar em dúvida a significação mesma de palavras como transcendência e além atesta sua consistência semântica, pois que, ao menos no discruso crítico referente a elas, aquilo que é contestado é reconhecido" (Lévinas, De Deus que vem à Idéia, p. 167). O que é, a rigor, que a crítica confirma quando, eventualmente, põe-se a trabalhar sobre as palavras "transcendência" e "além"? Não posso responder por qualquer um que pretensamente use ou diga usar a crítica. Posso responder por mim.
2. A crítica a essas duas palavras nem nega o além delas, a sua eventual realidade para além da representação, nem a assume. Negar e assumir, dizer e desdizer, aí, são práticas de mesmo nível, pressupõem as mesmas informações, os mesmos acessos. Tais palavras, contudo, são referenciais metafísicos. Se há o que elas pretendem dizer que há, não se pode saber. Pode-se crer que haja - até morrer e matar por isso, até amar por isso, fazer caridade. Que se creia. Que se ame, que se faça caridade. Eventualmente é até bom, esteticamente falando. Mas se há, se não há, eis aí uma questão para além da capacidade humana de o saber - e, se coerência houver, de o dizer: salvo no mito nu, ou na política disfarçada (toleramos, até, o mal, desde que ele se apresente disfarçado, não importando que saibamos que é o mal que ali vai travestido - o que não toleramos é o mal que se assume como tal, porque é o que é, e é o que quer ser: daí, as éticas ontológicas, as éticas teológicas, a inventar que é Deus quem impõe imperativos categóricos, seja na forma de uma pulsão ética (Kant), na forma do constrangimento inexorável da face do outro (Lévinas). Nas ruas, nem uma nem outra coisa se mostram verdadeiras. Deus, enventualmente se faz tão mal quanto o mal que ele odeia).
3. Mas Lévinas parece cometer um equívoco. Quando se critica o significado dessas palavras, critica-se, na verdade, a afirmação que elas contêm: para além da física, estende-se a metafísica, a transcendência, o além. Se a crítica é feita em seus termos e limites, o máximo onde ela pode chegar, e deve chegar, é na denúncia de que essas palavras, a rigor, traduzem uma fé, uma imaginação inverificável. E é a isso que a crítica as reduz: mito inverificável (porque há mitos verificáveis...).
4. Não, a crítica não pode dizer, se o diz, é leviana, que não haja, efetivamente, transcendência e além, mas pode dizer, deve dizer, e diz, que quando alguém - Lévinas, por exemplo - afirma que há, se ele o faz para além de sua imaginação e estética, se troca a sua imaginação pela aparência de representação do real verificável, trai-se e trai. Não importa por que prestidigitações retóricas se caminhem - a traição está na origem, não nos passos.
5. Assim, a crítica a essas palavras, ao conceito que elas carregam, ao lugar, à dimensão a que elas fazem referência, reduz tudo isso à condição de "idéia" inverificável, humana, sonho. Lévinas não o quer - não o pode? - admitir. Usará o "outro" e, nesse capítulo, o "mal" para, como (o segundo) Kant, à ética, abrir uma passagem para "o Deus que vem à Idéia". Passagem falsa, contudo. Ela só faz dar uma aparência de modernidade e filosofia teologizadas a uma imaginação nostálgica, a uma vontade e a um sentimento, e só.
6. Mas se o crente sabe-se imaginativo e desejoso, para que tornar isso "moderno"? Por que não gozar o gozo na conteplação subjetiva de si, e saborear o gosto que vem à boca do que crê? Por que, insisto, querer fazer real aquilo que a linguagem não tem poder para fazer, e se, independente da linguagem, o é, não será, contudo, por meio dela que se revelará...?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. A crítica a essas duas palavras nem nega o além delas, a sua eventual realidade para além da representação, nem a assume. Negar e assumir, dizer e desdizer, aí, são práticas de mesmo nível, pressupõem as mesmas informações, os mesmos acessos. Tais palavras, contudo, são referenciais metafísicos. Se há o que elas pretendem dizer que há, não se pode saber. Pode-se crer que haja - até morrer e matar por isso, até amar por isso, fazer caridade. Que se creia. Que se ame, que se faça caridade. Eventualmente é até bom, esteticamente falando. Mas se há, se não há, eis aí uma questão para além da capacidade humana de o saber - e, se coerência houver, de o dizer: salvo no mito nu, ou na política disfarçada (toleramos, até, o mal, desde que ele se apresente disfarçado, não importando que saibamos que é o mal que ali vai travestido - o que não toleramos é o mal que se assume como tal, porque é o que é, e é o que quer ser: daí, as éticas ontológicas, as éticas teológicas, a inventar que é Deus quem impõe imperativos categóricos, seja na forma de uma pulsão ética (Kant), na forma do constrangimento inexorável da face do outro (Lévinas). Nas ruas, nem uma nem outra coisa se mostram verdadeiras. Deus, enventualmente se faz tão mal quanto o mal que ele odeia).
3. Mas Lévinas parece cometer um equívoco. Quando se critica o significado dessas palavras, critica-se, na verdade, a afirmação que elas contêm: para além da física, estende-se a metafísica, a transcendência, o além. Se a crítica é feita em seus termos e limites, o máximo onde ela pode chegar, e deve chegar, é na denúncia de que essas palavras, a rigor, traduzem uma fé, uma imaginação inverificável. E é a isso que a crítica as reduz: mito inverificável (porque há mitos verificáveis...).
4. Não, a crítica não pode dizer, se o diz, é leviana, que não haja, efetivamente, transcendência e além, mas pode dizer, deve dizer, e diz, que quando alguém - Lévinas, por exemplo - afirma que há, se ele o faz para além de sua imaginação e estética, se troca a sua imaginação pela aparência de representação do real verificável, trai-se e trai. Não importa por que prestidigitações retóricas se caminhem - a traição está na origem, não nos passos.
5. Assim, a crítica a essas palavras, ao conceito que elas carregam, ao lugar, à dimensão a que elas fazem referência, reduz tudo isso à condição de "idéia" inverificável, humana, sonho. Lévinas não o quer - não o pode? - admitir. Usará o "outro" e, nesse capítulo, o "mal" para, como (o segundo) Kant, à ética, abrir uma passagem para "o Deus que vem à Idéia". Passagem falsa, contudo. Ela só faz dar uma aparência de modernidade e filosofia teologizadas a uma imaginação nostálgica, a uma vontade e a um sentimento, e só.
6. Mas se o crente sabe-se imaginativo e desejoso, para que tornar isso "moderno"? Por que não gozar o gozo na conteplação subjetiva de si, e saborear o gosto que vem à boca do que crê? Por que, insisto, querer fazer real aquilo que a linguagem não tem poder para fazer, e se, independente da linguagem, o é, não será, contudo, por meio dela que se revelará...?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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