Engraçado, na carta de 05/05/44, Bonhoeffer escreveu que, ao contrário do que se dizia, não apenas Bultmann não havia ido longe demais, como, para ele, Bultmann não tinha ido longe o suficiente... A carta encontra-se em Resistência e Submissão.
Bem, é realmente engraçado, porque, a meu ver, a saída de Bonhoeffer ainda é uma saída crente - integralmente crente - ao passo que a de Bultmann é uma saída crente pela metade, se não em apenas dez por cento. Se eu ainda fosse crente - e não resta mais crença religiosa em mim, mas se restasse e crente eu ainda fosse - a única saída que me poderia encantar seria a de Bultmann, e não de de Bonhoeffer, conquanto seu ideário político me enfetitiçasse, ao contrário do de Bultmann.
Simplificando bem as coisas: para Bultmann, tudo na Bíblia é mito, e só dá para usar na Igreja se assumirmos que sua funcionalidade - eficiente em todos os sentidos - se dá apenas e tão somente no jogo litúrgico e na hora da liturgia. Para todos os fins, é teatro e cinema levados a sério. Quando termina o culto, nenhum dos praticantes há de considerar que o que ali se disse e cantou tem qualquer validade para a vida real aqui fora do círculo mágico... Bonhoeffer não.
A despeito do compromisso de Bonhoeffer com a Teologia Liberal, no que se traduz sua insistência de um cristianismo (a-religioso) em um mundo em estado adulto, ele não fechava com ela e sua redução do Evangelho, de sorte que - nunca o fez - queria compreender e definir como seria a expressão da fé cristã nesse mundo adulto, sem a tolice conservadora, a estupidez fundamentalista. O que há de comum em Bonhoeffer e na Teologia Liberal é justamente o que há em Bonhoeffer que eu posso acompanhar - olhar com resignação para nosso mundo e reconhecer que ele é o que há, tudo o que há, e nossa realização. Já seu compromisso com a atualização da fé cristã não me interessa mais, e, nesse sentido, Bultmann está mais adaptado ao mundo conforme Bonhoeffer o concebe. Mas Bonhoeffer é crente demais, à moda antiga, para situar-se no mundo moderno que ele reconhece verdadeiramente. Bultmann é o crente pronto para o mundo moderno: teatro profundo, verdade encenada, realidade circunscrita ao espetáculo da fé existencialmente experimentado... Bonhoeffer queria descobrir como ser cristão hoje, e Bultmann já sabia como...
Assim, esses são dois dos raros, raríssimos teólogos que eu ouso citar. Os atuais e seu compromisso com a atualização conservadora da fé em linguagem para tolos, desses quero distância. Dos clássicos, para eles me tornei surdo. Mesmo Tillich, que é tomado como fenomenológico, e não é (vide sua última conferência), também era crente demais para meu gosto. Para mim, o mundo adulto pede pessoas adultas, e a crença é infantilidade pura. Os bons teólogos querem fazer de conta que crianças podem comportar-se como adultos...
Como não creio mais, Bultmann não pode mais me ajudar. Em minha não crença, não preciso de teatro de palavras religiosas, porque elas não me dizem absolutamente nada. Mas entendo os religiosos, e sempre digo a eles, se o ambiente é propício, que uma boa saída, para eles, se desejam sanidade nesse mundo moderno, se desejam a paz com o mundo adulto, é Bultmann.
Para vocês terem uma ideia de como o mundo evangélico brasileiro é ignorante, a Teologia Liberal é muito, mas muito crente, mas os tontos de Jesus a tratam como apostasia! A Teologia Liberal está a quilômetros de distância de Bultmann, ainda que Bonhoeffer a considere excessivamente reducionista. Mas é porque Bonhoeffer é ainda mais crente do que os liberais...
Quem dera se os evangélicos brasileiros pudessem ler Bultmann, ou pelo menos Bonhoeffer...
Quem dera se os evangélicos brasileiros pudessem ler Bultmann, ou pelo menos Bonhoeffer...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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