1. A Revista da Arquidiocese de Vitória/ES, Vitória é seu nome, pediu-me que escrevesse texto breve que tratasse do Artigo 5º, inciso VI da Constituição. O artigo foi publicado no último número da revista, na p. 27. O artigo pode ser lido abaixo.
“Há perigo na esquina”
Osvaldo
Luiz Ribeiro
“Artigo
5° (...) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da
lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (Constituição Federal
do Brasil).
O texto em epígrafe é a última
grande etapa legislativa que se inaugurou formalmente com o Decreto 119-A. Cem
anos depois, a Constituição Cidadã recepcionou e aprofundou a expressão da
norma. Acho lindo isso.
Acho impensável que alguém pretenda
determinar a crença de terceiros. Penso que apenas a sede de poder e o desejo
pelo controle dos corpos e das mentes das pessoas, além de problemas psíquicos
profundos, levam pessoas a sentirem-se no direito de arbitrarem a confissão dos
cidadãos. Na verdade, considero doentio, perverso e intolerável que alguém
pretenda determinar como as pessoas devem se relacionar. Incluo nesse tópico todas
as expressões humanas, dentre aos quais considero conveniente ressaltar a
religião, a política e a sexualidade.
Quando o Estado assumiu a
responsabilidade de conceder/reconhecer direitos de livre expressão de fé aos
cidadãos e às cidadãs, deu o primeiro passo para o que seria uma das marcas do
século XX: a emancipação social dos costumes teologicamente sustentados e
político-patriarcalmente herdados. Mesmo com a decisão política do Estado de
reconhecer/conceder a liberdade de expressão religiosa, somente com muita
disputa política se foi muito lentamente transformando em prática o que constava
da letra da lei. Para as religiões de matriz cristã não católica, a batalha foi
mais fácil desde o início, conquanto tenha sido capitaneada naquela ocasião por
maçons aliados aos valores da República. Para as religiões do povo preto,
todavia, é legítimo considerar que a luta está longe de ser concluída. Depois
da política de branqueamento que o país conheceu no início do século XX, no
final daquele século o Rio de Janeiro foi palco de outro branqueamento,
resultado da aliança entre evangélicos e o tráfico, do que decorreu a expulsão
de terreiros tradicionais de religiões de matriz africana dos morros cariocas.
Não vos constrange isso?
Desde o Decreto 119-A, o Brasil se
transformou. A despeito das tentativas institucionais de branqueá-lo,
revelou-se preto e mestiço. Religiões dessa cor foram marginalizadas e os
cristianismos continuaram – a despeito de sua luta fratricida interna – a
dominar o campo religioso. Recentemente, todavia, a matriz cristã apresenta
transformações, com cada vez maior representação do contingente evangélico de
tradição fundamentalista. No campo católico, a Teologia da Libertação viu seus
espaços serem tomados pelos movimentos carismáticos. No conjunto, com o
sugestivo título “Os demônios descem do norte”, já se sugeriu ver aí movimentos
políticos orquestrados.
A matriz cristã que se publiciza na
política e na mídia expressa palavras de ordem que não são constitucionais, e
assume tal condição transformando a divindade em uma espécie de garoto
propaganda da intolerância e do totalitarismo teocrático. Acho isso muito feio.
Há perigo na esquina. De novo.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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