2. Primeiro, abre-se a cena com referência ao engajamento contra preconceito, discriminação e violência contra minorias de toda sorte: a atitude irônica da cena revela-se no final da frase: "é manifestação em cima de manifestação"... A declaração irônica aponta o caminho reacionário do restante da charge...
3. Na segunda cena, uma falácia: "todos querem defender seu direito e ganhar respeito na sociedade a qualquer custo. Até atropelando e passando por cima uns dos outros". Uma falácia.
4. Primeiro, porque reconhece - e como não? - que se trata de defender direitos. Segundo, porque distorce a realidade, utilizando-se da expressão "a qualquer custo". E, finalmente, a cereja do bolo, afirmando que se deseja a defesa e a conquista dos direitos pessoais, passando por cima uns dos outros...
5. Falácia. Retórica reacionária. Os direitos são defendidos nas instâncias democráticas e legais - e, naturalmente que, em havendo (e há) quem seja contra a concessão e/ou o reconhecimento de direitos a esses demandadores de direitos, é sobre esses reacionários, sim, que eles terão de passar - pela força do debate público, das plenárias e da legislação. Não se trata de passar por cima "uns dos outros", mas de fazer valer o direito defendido, a despeito de contrários - e, nesse caso, sim, passando por cima deles, se necessário - porque eles se colocaram entre o direito demandado e a instância de concessão e/ou de reconhecimento desse direito.
6. Finalmente, o que até aqui se continha, declara-se com força: sugere-se que quem defenda os direitos deva desejar sofrer o dano de não os ter reconhecido, deva renunciar à demanda de seus direitos, pelo bem do todo... É muita cara de pau... Imagina isso na época da escravidão! O cartunista deseja que as minorias limitem sua liberdade pela liberdade do outro... As domésticas estriam, agora, sem FGTS, hora-extra... Os negros, no tronco... É possível que eu esteja ouvindo isso mesmo?
7. Ora, são justamente os outros que estão impedindo a concessão - o reconhecimento! - dos direitos dos demandadores: negros, ontem, mulheres, ontem e hoje, gays, sempre. O que o cartunista deseja é que as minorias aceitem reduzir-se ao gueto a que o "todo" as reserva...
7. Ora, são justamente os outros que estão impedindo a concessão - o reconhecimento! - dos direitos dos demandadores: negros, ontem, mulheres, ontem e hoje, gays, sempre. O que o cartunista deseja é que as minorias aceitem reduzir-se ao gueto a que o "todo" as reserva...
8. Acho que o cartunista não tem a mínima ideia do que é Democracia... Se tem, enrolou-se nas próprias pernas. Em democracia, alguém deve dizer isso ao cartunista, quem coíbe seu direito é a maioria - porque, se ela decidir, impõe à minoria o que desejar, a despeito da vontade da minoria...
9. E, finalmente, o pior - coroa sua charge com uma pérola. Sentado em sua mesa de trabalho, ele desenha seus personagens, passa horas diante do PC - o PC! - como uma anti-ativista do ativismo e, então, debocha dos ativistas de... PC! "Fácil é se esconder atrás de um computador e 'mandar ver'"...
10. Ato falho na veia...
11. Sejamos democráticos. Democracia não é sinônimo de harmonia - é sinônimo de negociação ininterrupta de valores, direitos, demandas, restrições mútuas. Democracia pressupõe violência - não sejamos tolos. Quando o todo impede que direitos demandados sejam discutidos, concedidos, reconhecidos, é a violência democrática - o enfrentamento retórico, o enfrentamento plenário, o enfrentamento de ideias (onde sempre há excessos de lado a lado) -, o modus operandi incontornável para se atingir o próximo estágio...
12. Não sejamos tolos: com essa contra-crítica reacionária, estaríamos nos dias dos reis, a lamber botas de majestades, a dar a eles a primeira noite de nossas mulheres...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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