sábado, 30 de março de 2013

(2013/370) Marcos, Gadara, Paulo - porque ainda não entendo a relação entre Paulo e os Evangelhos


1. Não estou interessado nas respostas da catequese, prontas desde sempre, ao jeito de seus senhores. Estou interessado nas respostas históricas e, permito-me dizer, nas respostas verdadeiras. Se a catequese as tem - e nem sempre ou quase nunca -, de qualquer modo chegarei a ela. Se não as tem, não perdi meu tempo...

2. Pois bem, considerando-se que as cartas paulinas são anteriores aos Evangelhos (exceptuem-se as deutero-paulinas, mas, mesmo aí, quase todas são anteriores a João e uma ou outra seriam anteriores ou a Mateus ou a Lucas, ainda que não necessariamente a Marcos), uma questão me persegue há muito tempo: por que parece que os Sinóticos desconsideram Paulo, ao passo que Paulo desconsidera os sinóticos? 

3. Uma vez que os Sinóticos são posteriores a Paulo, seriam escritos reativos? Seriam programaticamente não-paulinos?

4. Se minha tese de que Lucas usa seu Evangelho e Atos para enterrar as pretensões das gerações de testemunho ocular, isso soaria como uma resposta a Marcos? Lucas, que, por quatro vezes, faz das testemunhas oculares como gente lerda de entendimento, pessoas que não teriam entendido nada do que Jesus teria dito e feito (os discípulos não acreditam na ressurreição [Lc 24,12 é uma glosa!], os discípulos de Emaús estão apalermados, os discípulos interrogam Jesus sobre a restauração do Reino e os anjos que insistem em que Jesus mandou-os esperar em Jerusalém), e faz entender que somente em Pentecoste, com a "descida do Espírito", todos os discípulos, inclusive Pedro, se tornaram "lúcidos", parece estar enterrando as prerrogativas das primeiras testemunhas na lama da ignorância e sustentando o poder das comunidades na figura do Espírito - de que Paulo se beneficia diretamente - e, com  efeito, é o herói de Atos. Lucas e Atos seriam uma reação "paulina" ao Marcos jerosolimitano?

5. Nesse sentido, se de fato está relacionado à comunidade de Jerusalém, com a referência à Gadara e ao fato de um endemoniado liberto ter sido o "missionário" na Decápolis, de que faz parte Damasco, a "Medina" de Paulo, Marcos estaria respondendo à "acusação" da comunidade paulina de que Paulo aprendeu por si mesmo, em Damasco, sem a interferência de Jerusalém? Estaria Marcos, indiretamente, fazendo Paulo depender das tradições primitivas dos primeiros discípulos?

6. Se as cartas de Paulo circulam com tanta força nas comunidades, e se o próprio Paulo vai a Jerusalém, o descompasso teológico tão gritante entre Marcos e Paulo seria proposital? E, se é proposital, Marcos estaria recusando a leitura teológica paulina? Gálatas é um momento desse confronto?

7. Penso que o Cristianismo que acabou por se tornar a linha mestra do Cristianismo, a teologia paulina, estava longe de ser única e, quem sabe até, a principal. Acho mesmo que muitas correntes sobreviveram, por muito tempo, mesmo depois de Paulo. Acho mesmo que o Islã tomou Jesus como um profeta, mas não como um Deus, inclusive por meio de cristãos não-nicênicos, representantes estes de tantas correntes sobreviventes, mas não hegemônicas no Ocidente.

8. Penso, sobretudo, que a rotina confessional de ler como uma unidade essa série de documentos neotestamentários soterra as evidências - que me parecem gritantes - de que Paulo e os Sinóticos constituem mais um dos muitos campos de batalha da fé cristã - violenta desde o início.




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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