1. Proponho uma distinção: Ética diz respeito às relações entre pessoas, é tratado sobre o coletivo, o interpessoal; Moral diz respeito ao sujeito e à sua adesão ou não a injunções de comportamento privado.
2. Por que a catequese evangélica concentra-se na Moral e não na Ética?
3. Hipótese: porque a Moral, tratando-se do privado, é aquilo que caracteriza nossa submissão ou não ao quadro geral das injunções religiosas. O que eu faço em privado caracteriza, de fato, minha condição subjetiva em face dos valores determinados pela Instituição. O que a concentração da catequese na Moral faz é a tentativa inegociável de controle sobre minha subjetividade - ela quer que eu me transforme numa pessoa que reproduz seu ideário, mesmo quando eu estou longe do espaço físico em que a Instituição opera.
4. Um argumento de prova retórica. Quando os sacerdotes assumiram o poder em Judá, no final do século VI, uma das primeiras coisas que fizeram foi assumir o controle da subjetividade da mulher. Escreveram que, pelo fato de Eva ter pecado, o desejo da mulher, sim, seu desejo sexual, era a manifestação comprobatória da maldição divina - e seu castigo seria o domínio que o homem teria sobre ela. O desejo sexual aparece aí como marcador subjetivo do pecado da mulher - de modo que toda vez que a mulher sentisse desejo sexual pelo seu homem, ela se revelaria a si mesma como maldita e castigada: é a forma de controle subjetivo da consciência feminina - e que funcione, mesmo dois mil e quinhentos anos depois, para a constatação do que basta ler alguns posts de pastoras no Facebook, é realmente revelador de uma tecnologia de controle social praticada desde pelo menos o período persa.
5. Desde então, a Moral, mais do que a Ética, tem sido objeto de interesse do discurso religioso controlador. Aplicaram a Jesus injunções morais - é comilão!, é beberão!, anda com gente que não presta! O fato de ele praticar a justiça, cuidar dos pobres, ou seja, suas práticas éticas, nada disso tinha qualquer significado...
6. Hoje, a religião evangélica vai pelo mesmo caminho, porque é uma religião de controle absoluto da subjetividade - ela, a fé evangélica, não quer menos do que o sujeito inteiro, dos pés à cabeça: e a forma mais eficiente de alcançar seus objetivos é o controle Moral - o que ela faz com eficiência, porque o sistema é eficiente em si mesmo, mas sem a genialidade dos sacerdotes de Jerusalém, esses, sim, formidáveis em questões de estratégia e tática religiosas...
7. Para vencer a injunção moral da catequese, é preciso dizer não: é preciso alcançar autonomia. É o que, em Cântico dos Cânticos, a Amada faz: ela recusa o comando moral que o Templo pretende ter sobre ela, e, depois de dar a sua versão dos fatos, convida o Amado - no fundo, um bom canalha, mas a quem ela deseja (é a ironia do livro) - a sentir o cheiro das mandrágoras no campo, o perfume das flores, os aromas da primavera... Isto é: voltar ao Jardim...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
Vendo por outro lado...
Pode-se tomar a moral como o conjunto de valores, de normas e de noções do que é certo ou errado, proibido e permitido, dentro de uma determinada sociedade, de uma cultura, importantes para que possamos viver em sociedade, e, portanto, não o comportamento individual em si, mas o reflexo deste no outro - a partir do que não haveria de se cogitar de moral, ou de direito, no quadro de um náufrago sozinho numa ilha deserta -, e a ética como a reflexão filosófica sobre aquele conjunto.
Nesse sentido, o descarte da ética significaria a eliminação do risco de o alvo da catequese passar a refletir sobre os valores e normas que lhe são transmitidos.
No final, a mesma conclusão - controle sobre a subjetividade, visto que alguém pensa pelo catequisado e a este somente cabe reproduzir, como dito, o seu ideário.
É só uma outra hipótese.
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