1. As mentes modernas, conquanto ressentidas da Modernidade e sua monstruosidade indecente, sua tecnicidade desumanizante, sua violência inaugural e profunda, as mentes dos teólogos modernos constrangem-se diante da mitologia...
2. É-lhes indecente...
3. Carnes demais, corpos demais, mãos e pés demais, sexo demais, até...
4. Melhor fora houvesse apenas pensamentos e espectros...
5. Viva a Grécia!
6. Três doses de Platão, um cálice de Agostinho, dois Luteros a pousar no fundo, uns quantos odores de teólogos desmaterializantes - e eis o queijos e vinhos da teologia acabrunhada...
7. Acabam-se, aí, todas as materialidades grosseiras da doutrina da metafísica: nada de um velho sentado ao trono, de anjos de asas de ganso - do outro lado há apenas o Intratável...
8. Bem, senhores: se é Intratável, como é, todavia, tratado? Como se sabe? Como se pode saber? Como se pode dizer?
9. Não, não se pode...
10. A prestidigitação de fazer do Impossível um Intratável é mágica retórica: é transformar O Que Não se Pode Dizer em dito, o Inefável, em falado.
11. Se o teólogo moderno, com vergonha de assumir doutrinas - e nisso ele tem razão! - contorna a vergonha pela desobjetivação retórica do objeto de fé, a pintar-lhe como um Como Se Não, um Inatingível pela razão, pelo dito, ele fica a dever a si mesmo e a nós o caminho pelo qual ele pode saber disso...
12. Não, não sabe.
13. Não, não pode saber.
14. Ele deveria assumir sua condição obrigatoriamente cética - mas, não: ele se fez místico...
15. Mas cuidado: tanto ele quanto seus amigos vão considerar que ser místico - essa espécie de místico, crente na Inapreensibilidade - não é a mesma coisa que não o velho doutrinismo mitológico da fé clássica. Não, ele dirá - é a sofisticação refinada da fé, regada a vinho...
16. Engana-se. É a mesma doutrina, depurada dos excessos que revelariam à susceptibilidade moderna a desavergonhada condição mitológica da coisa toda...
17. E, então, põe-se o véu rubro de uvas sobre a mesa, a disfarças em mística o que é a mesma condição dos antigos...
18. Não, senhores: se vamos negar a doutrina positiva, não me venham com acomodações retóricas. Se o que está do outro lado - se está! - não é tratável, então não me venham falar dele como se fora e com a convicção dos que sabem que o Intratável está lá.
19. Ou não há nada lá, e eu sei.
20. Ou há, e eu sei.
21. Ou eu não sei é coisa alguma - nada, absolutamente nada...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
E aí, Osvaldo?
Se tenho entendido o fundamento da sua crítica ao conhecimento religioso transmitido por quem se acha no direito, e, em geral, no dever, de fazê-lo, esse fundamento é a impossibilidade de se saber algo sobre o que poderia, em tese, estar além do físico.
Isso se a minha identificação do objeto da sua crítica - o conhecimento religioso transmitido por quem se acha no direito, e, em geral, no dever, de fazê-lo - estiver correta.
Há pouco tempo eu lia alguns comentários a um artigo de um teólogo cristão conservador e, na resposta dele a uma das reações a sua postagem, referindo-se a alguém que foi mencionado pelo comentarista, estava a seguinte frase:
"Eu parto do princípio de que a Bíblia é a Palavra de Deus, e ele, não, então não há base para diálogo entre nós."
E já há algum tempo, lendo o livro "Filosofia e Cosmovisão Cristã", especificamente o capítulo sobre epistemologia, percebi que toda a argumentação vai dar num mesmo postulado - a Bíblia é A Palavra de Deus - e este como axioma, como pressuposição básica.
Lendo outros textos seus, aqui e no Ouviroevento, me parece que é a suposta axiomicidade (não consegui encontrar outra palavra, então inventei essa) desse postulado que você desconstrói a partir da exegese que faz.
No caso muito específico do Cristianismo, parece imprescindível valer-se dessa exegese para poder se contrapor, ainda que na esfera íntima do "eu comigo mesmo", ao fundamento do tipo de epistemologia a que me referi acima - e se estiver errado nesse ponto, como nos antecedentes, pode mandar bala (rsrs).
Pois bem, como se chega a essa exegese? No campo da literatura sobre o tema, o que há disponível além de, e, principalmente, anteriormente a, os textos do seu Ouviroevento?
E, pra não ficar muito sem graça, vai uma provocação, que também li alhures e repasso: essa exegese sua, ao invés de base para demonstrar que aquele postulado - a Bíblia é a Palavra de Deus - é falso, não parte já do postulado contrário como axioma, a saber, que "a Bíblia não é a Palavra de Deus"?
Um grande abraço, e um bom domingo pra você e sua esposa aí nessa terrinha que aprecio tanto.
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