terça-feira, 30 de outubro de 2012

(2012/718) A bola de sabão do "eu devo ser bom"


1. Eu devo ser bom porque Deus me quer bom!

2. Tolo. Deus não é fundamento de ética e moral - Deus mesmo é a-ético e a-moral (eu deveria ter dito "i-moral"?): quando quer, mata, quando quer, vivifica, quando quer, cura, quando quer, contamina, quando quer, beija, quando quer, fere. Não caias na armadilha de considerar que deves alguma coisa por causa de Deus...

3. Assim destróis a ética...

4. Tolo. Se assumir que Deus não é fundamento de nenhuma ação ética ou moral fosse acabar com a ética, teríamos de primeiro explicar como a ética pode ter surgido antes da religião, deveríamos explicar como ela permanece onde Deus deixa de ser fundamento retórico para a ética - todo ateu deveria ser um assassino e ao contrário, todo cristão, um santo - mas a primeira declaração é tão falsa quanto a segunda...

5. Mas, então, não há ética...

6. Não há? Olha para fora da janela!

7. Então ela vem do outro, que me arranca esse imperativo!

8. Se adoças o café com o caramelo de Deus, tens um Levinas, um Bubber, tornas-te um judeu religioso, a quem restou a filosofia devota... O outro não te arranca nada: e, se arranca, é porque tu te fizeste susceptível a tanto...

9. De onde vem, então, a ética?

10. Do ecossistema humano, compreendido pelo conjunto, no inexorável fluxo da história, logo dinâmico, das idéias, também as religiosas, mas não pelo fato de serem religiosas, mas idéias, dos imprintings, dos costumes, das tradições, das leis, da educação em todos os sentidos, da cultura: o ecossistema humano, alimentado por essas ideias, reforça-as, e se retroalimentam...

11. A ética, então, é uma prática?

12. Sim - torna-se filosofia, conceito, sistema, porque nós a arrancamos da prática humana, a coisificamos e passamos a tomá-la como um a priori - mas não há um a priori ético enquanto coisa: há o ecossistema humano, histórico, carregado de sua longa duração, efeito da retroalimentação das ideias construídas pela cultura e da cultura pelas ideias construídas, num cenário performativo com o qual lidamos, assumindo, reagindo, contornando, transformando...

13. Nem Deus, nem imperativos, nem sistemas apriorísticos...

14. Isso. A ética é uma abstração. Há, de fato, a vida.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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