domingo, 24 de junho de 2012

(2012/508) Sobre algo que Nietzsche disse a respeito de Lutero e a ressuscitação de um então Cristianismo moribundo


1. Nietzsche expressou a seguinte opinião: o Cristianismo ia morrendo, e, quando ia morrer, Lutero lhe deu sobrevida, ressuscitando-o com os aparelhos e tubos protestantes...

2. É uma tese. Não sei se correta, mas é uma tese.

3. Mas tenho outra para propor.

4. Parto de Nietzsche. Na aparência, Lutero deu sobrevida ao Cristianismo.

5. Todavia...

6. Ele sobrevive não porque o protestantismo é aplicado, mas onde ele não é aplicado. O protestantismo histórico é um catolicismo disfarçado. Até estatal ele é. Nenhuma diferença substancial.

7. É na Inglaterra onde as coisas começam a se complicar - os primeiros efeitos. Na Alemanha, os camponeses acharam que a coisa era séria, coitados!, e foram mortos com a bênção de Deus e de Lutero - e as armas dos príncipes: excelente combinação histórico-religiosa - Deus, os "papas" e os soldados...

8. Já na Inglaterra, os cristãos acharam de levar a coisa até mais longe. Vejam vocês as heresias: LIBERDADE DE CULTO. Você já leu isso na Bíblia? LIBERDADE DE EXPRESSÃO. Você se imagina lendo isso em... Paulo, sim, aquele que disse que quem pregar outro Evangelho seja anátema... LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA. Já leu isso no Novo Testamento? 

9. São todas essas heresias protestantes. 

10. Mas não se anime. São válidas apenas num momento. 

11. É o problema protestante - ele nasce dizendo uma coisa, mas sobrevive dizendo e fazendo outra: é a sua alma hipócrita inexorável. É a essência protestante. Pode lutar contra isso. Vencer isso, não.

12. Nenhum princípio de Lutero ficou vivo na igreja de Lutero. Nem livre-exame, nem sacerdócio universal - mas os mesmos dogmas e os mesmos sacramentos clericais. Na Inglaterra, as LIBERDADES pregadas - culto, expressão e consciência - valeram apenas contra o rei e a rainha, os papas de então, mas, montada a pequena Roma que é cada igreja - batista, presbiteriana, metodista, seja qual for - acabam todas as LIBERDADES.

13. Esse ainda é o jogo católico. E o protestantismo sobrevive graças a ele. E só a ele. Ao controle enérgico que os líderes têm sobre a massa. Sobre as bulas papais...

14. Mas o caminho da fragmentação é mais forte do que a da coalização. As igrejas-Roma não são Roma: cada um se julga Deus, e, assim, racham-se, esboroam-se, desmorona o Vaticano de brinquedo.

15. À medida que o tempo passa e que cada crente vai começando a acreditar que pode ser crente sem igreja, sem Roma, sem papa, sem pastor, sem dogma, que é ele e Deus a brincar de moral, de verdade, de valor, de ética, de doutrina - qual doutrina: a minha, a de que eu gosto, ah, vai desmoronar tudo, e não ficará pedra sobre pedra.

16. Nisso Barth tinha razão contra Schleiermacher. Se o Cristianismo centrar-se na experiência, acaba, morre, porque não há força que consiga manter as experiências dentro de um trilho orgânico, elas são plurais, idiossincráticas, cada um dá as cambalhotas que deseja dar, e a Instituição acaba. E o Cristianismo é a Instituição, o resto são expressões estético-políticas do desgosto...

17. O IBGE começou a medir um fenômeno curioso - os sem-igreja. Eles são filhos do protestantismo. Talvez, os primeiros verdadeiros filhos do protestantismo - os sem-Lutero. Não vai demorar muito a que as crenças dos sem-igreja se misturem, ainda mais do que já é misturada a fé cristã, a todos os movimentos fluidos da era atual, cada qual admirando-se do gosto, da cor, da tecitura de seu contentamento.

18. No dia em que cada crente se sentir feliz com seu contentamento, seu gosto e sua alma, terá acabado o Cristianismo.

19. Já será outra religião.

20. Mas continuará religião.

21. Porque em nenhum momento desse longo percurso há uma única dose sequer de crítica - é apenas o efeito da inércia, a onda, no lado ocidental da pedra que Lutero jogou naquele dia...

22. Eu, meu sacerdote... 

23. Estamos quase lá.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. no final das contas, dado o modo como terminei o texto, não é de todo errado que estaria Nietzsche...

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