1. Não é entrar, sentar e cumprir tabela - é a nudez da coisa toda, de dar-se, derramar-se, de virar-se do avesso dez vezes e de novo.
2. Sob certo sentido, é ritual xamânico. É incorporar o Espírito da águia e da doninha, da abelha e da serpente, do boi e da ariranha, é transformar-se em si mesmo, de vidro e acrílico.
3. Os alunos não sabem, não, não têm a menor idéia. Estão lá, sentados, olhando. Mas são vampiros. Não, não são vampiros como os do cinema, que lhe agarram a jugular com seus caninos mais de cão que de morcego e o vinho desce pescoço abaixo... São vampiros de espírito: sugam a sua energia, drenam a sua alma, deixam você exausto e cansado. Sim, eu disse: é xamânico...
4. É um ritual. A porta da sala é como o portal do templo. Lá, espera o sacrifício, e seu corpo e alma é imolado, nu, no altar da transparência, no cutelo de dizer as palavras malditas - as da liberdade...
5. Malditas? Sim, senhores, malditas. Porque os alunos têm medo delas. É tudo o que dizem querer, os jovens, mas temem a verdadeira liberdade. Querem Marx, se Marx vai com eles, querem Weber, se Weber lhes dá a estrada, querem Barth, se ele aponta o rumo, querem o Shedd, que lhes diz de a a z o abecedê da fé. Mas você os leva para o meio da floresta negra e os deixa lá - não, não podem gostar do que sentem.
6. E você fica lá, sobre o altar...
7. E vai para casa, com dois dias a menos de vida.
8. E pensa em reclamar, em resmungar, em chorar, às vezes.
9. Mas o espelho do banheiro olha para seus olhos cansados, sua barba cinza, e você, ah, meu caro, você sabe por que faz, por que se mata dia a dia, em holocausto: porque não pode não fazer. Não são eles que lhe impõem o sacrifício. É você que decidiu a viagem pelos céus do urso cinzento, nas asas da água imperial do norte.
10. E por isso você voltará.
11. E fará tudo de novo.
12. Até que os dias cessem.
13. Até que a floresta fique silenciosa de animais, e o xamã não possa mais fazer seu voo - ou nem precise...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
vontade de chorar. #FATO!
Viver dói.
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