domingo, 20 de maio de 2012

(2012/449) E o Rubem não quer morrer


 
1. Não posso dizer que tenha havido uma fala mais importante, um momento mais sublime, algo em que se concretizasse a síntese do Congresso da Unida - mas teve um momento em que eu gritei, calado: nem eu, Rubem, nem eu...

2. Rubem Alves disse-nos que não quer morrer.

3. Rubem está doente. A magreza da velhice e da doença o assalta. Ele resiste. Veio a Vitória, passou a quinta conosco, a sexta pela manhã, e voltou para casa. Andando lentamente, caminhou entre nós.

4. Quando chegou a hora de falar, além de sobre caquis, nos disse isso: não quero morrer...

5. Nem eu. Se eu morrer antes dos 125 anos, já orientei a Bel que escreva em minha lápide: foi, mas a contra-gosto. Foi, mas aborrecido. Foi, mas contrariado.

6. A vida é tudo que temos.

7. Eu entendo o suicídio - e não o reprovo. Eu entendo a eutanásia - e a usaria sem piscar. Mas eu quero viver. Até quando me for possível.

8. Logo se vê que meu apoio ao suicídio e à eutanásia estabelece uma condição para a vida - saúde, bem-estar. Não se trata de um apego teológico à vida, como se um "dom" ela fora ao ponto de, canceroso e ulcerado, ainda se devesse agarrar a ela e sorrir... Não: o câncer, as úlceras dos ossos e da carne, são inimigos da vida - não são brindes corolários do presente que ela seria... Não me venham com teologias de louvaminhas que a mim soam ridículas. Vida é vida com saúde. É shalom. O resto, já é a garra Dela a rasgar-nos o corpo...

9. Por isso, emocionou-me a declaração de Rubem. Também ali ele é resistente: vejo que tu vens, Desgraçada, e vejo que me levarás amanhã, ou depois, e não há (ainda!) jeito. Mas é contra a minha vontade que me levarás - e só porque és mais forte do que eu.

10. A Morte é mesmo o único Deus que há. Não, o Sexo não é Deus. Pode-se ser Vestal. Não, o Dinheiro não é Deus. Pode-se ser Assis. Não, a Tortura não é Deus. Pode-se ser Anivaldo. Deus, mesmo, é a Morte - verdadeiramente o único Poder contra o qual nenhum de nós pode nada.

11. E que se dane esse único Deus - Morte! Eu olho em sua cara e, em minha condição de homem, lhe digo: fraco sou, Terrível, e pobre, e contra Ti nada posso. O que posso é apenas isso: dizer-te na cara que me levas o corpo, o pó e mais nada, que meu espírito devolvo à Terra, para também esquecer que Tu és Quem és.

12. Nossa vingança contra esse Deus é o esquecimento...

13. Porque esse Deus só pode ser temido - jamais louvado: porque é um Deus sem adoradores.



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

2 comentários:

Homens Corajosos disse...

Lamentável notícia!
Infelizmente nossa fragilidade nunca a superaremos.
Eu sempre procurei encarar a morte de frente, até por que trabalho com ela todos os dias e no olhar de meus pacientes a vejo a todo instante até o dia que ela olhar por mim.

NELSON LELLIS disse...

Prezado amigo,
lendo a obra "Os tipos de concepção de mundo", de Wilhelm Dilthey, encontrei a frase: "A incessante presença da morte, que determina poderosamente a cada um de nós o significado e o sentido da vida" (p.11).
Enquanto buscamos um sentido pra ela (morte), ela nos devolve a reflexão para o sentido da vida. A vaidade (enquanto brevidade) nos chama a pensar seriamente em comer, beber e amar a mulher da mocidade.

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