quarta-feira, 28 de março de 2012

(2012/331) Sobre pastores e esposas de pastores - uma visão pessoal e familiar: reflexões após ouvir Gedeon Alencar

1. Não sou pastor. A hipótese de algum dia vir a ser é menor do que a de acertar sozinho na megassena duas vezes. Há trinta anos eu não jogo... Vejam que eu não disse nunca. Mamãe sempre me disse que não diga dessa água não bebo, desse pão eu não como. Não direi pois a terrível palavra nunca, que costuma cuspir na cara da gente. Todavia, não está em nenhum dos meus planos, nem de curto nem de médio nem de longo prazo.

2. Uma das responsáveis por isso, e talvez a maior de todas, é Bel.

3. Não o digo como quem a culpa. Digo como quem agradece. E eu entendo perfeitamente a razão de Bel.

4. Para que o restante de meu texto seja adequadamente compreendido, é preciso que se saiba que não há nada na face dessa terra que seja mais importante para mim do que Bel. 

5. Escrúpulos de filho me constrangem. Paro. Reflito. Não. Minha mãe, devo confessar, ficaria abaixo de Bel. Meus filhos, Israel e Jordão, ficam abaixo de Bel.

6. Nada se poderia interpor entre Bel e eu. Eu escolheria Bel. Deus nunca ousou desafiar Bel. Perderia, ele sabe. E contentou-se em vir sempre em segundo...

7. Digo isso sobre Bel, sobre o fato de Bel, minha esposa há 25 anos, ter dito a mim um dia, quando lhe contei que faria seminário, quando fiz seminário, e quando me vi com um diploma de teologia:

8. Osvaldo, meu querido, anote bem o que eu vou dizer a você: você pode ser pastor - mas eu jamais serei esposa de pastor.

9. Frase terrível para um "vocacionado" ouvir, não? Até pela ambiguidade. O que significa que Bel jamais seria esposa de pastor? Que, se eu caísse na besteira de deixar-me ordenar, Bel se divorciaria de mim?

10. Não, ela disse. Você quer ser pastor, seja, mas não conte que serei primeira dama, que aceitarei os scripts, os roteiros, as misancenes, as paparicações, os vestidinhos. Não me submeterei a qualquer rotina ou roteiro que eu mesma não escreva. Não serei mulher a tiracolo. Não farei IBER (tradição batista). Não farei teologia. Não vou cantar. Não vou tocar piano. Não farei de minha vida uma muleta da sua.

11. Não foi exatamente isso que Bel disse - Bel, me corrija. Mas as linhas gerais estão aí.

12. Bem, eu tinha minha autorização. Mas aquela conversa, aquela, que poucas vezes tivemos, foi minando meu desejo, como a água que amolece a madeira, e ela apodrece, e some... Sumiu.

13. Não tivesse sumido, ainda assim eu teria engolido a vocação. O modelo que se criou é exatamente esse: o pastor é o homem/macho, e a mulher é a sua sombra e muleta. Não ia submeter Bel a isso.

14. Poderíamos revolucionar! O quê? Eu? Revolucionar? Não, eu não sou homem de revoluções. Sou homem de letras - letras demais para um revolucionário. E, todavia, ainda mais exageradas para um reacionário. As letras me são meu inferno.

15. Mas eu jamais submeteria Bel a isso. "Esposa de pastor" - essa profissão disfarçada e não remunerada, essa instrumentalização da mulher, a primeiradamização perversa da esposa, o sumo pagamento pela não-ordenação das fêmeas.

16. Há quem goste disso. Ele e ela. Não é meu caso. Nem o de Bel, já se viu. Assim, pondo Bel no alto de seu pedestal de deusa, e eu, seu único sacerdote, resolvi-me. E o Reino perdeu uma inutilidade pastoral. Pastores há aos montes: assovie, e chovem vocacionados. Mas um homem para fazer aquela mulher feliz? Um só. Não havia a mínima dúvida: Eclesiastes!, se aqui me faço entender...

17. Esses pensamentos todos me vieram à cabeça agora há pouco, ouvindo o show que foi a palestra do Gedeon Alencar, da Igreja Betesda, aqui na Unida, falando sobre as Assembléias de Deus e o despapel da mulher naquela denominação.

18. Falou de Frida Vingren, esposa de um dos "mitos fundantes" da Assembleia de Deus. Esposa de pastor, mulher negada em vida, praticamente assassinada - morreu louca num hospício da Suécia, lá internada por pastores, negada depois de morta. Uma desmulher, despapelizada, porque ousava ser mulher.

19. E Gedeon nos contava das primeiras damas - esposas de pastor. E fotos: apenas a esposa do chefão na foto. As demais, não existem. Deus do céu! Que palestra. Gedeon se diz sociólogo e, agora, é doutorando em ciências da religião. Que nada: é historiador. Provoquei-o, e ele me disse que é um historiador frustrado. Nada - melhor historiador que a esmagadora maioria dos que aí estão a se chamarem historiadores - e não acreditam em História.

20. Lembrei de Nehushtan, minha dissertação de mestrado. Vi um fio. Puxei. Desmontei um mundo. Ele viu um fio - mulheres escrevendo em jornais da Assembléia nas décadas de 10 e 20. Puxou o fio. Desmontou a história da Assembléia inteira. Não ficou pedra sobre pedra.

21. Só pensava em Bel, em como ela adivinhava o papel que cabe às mulheres de pastores - submeter-se. E fiquei feliz em "libertá-la" - em não prendê-la. Como se eu pudesse, algum dia, por um minuto, meter-lhe freios...

22. Hoje, parece-me suave o fardo de ter lançado ao mar o pastorado. De ser coadjuvante do enredo dela.

23. O pastorado não vale aquele colo.

24. Pelo que se vê que fiz bem em abandonar a ideia do pastorado: sou Eclesiastes demais para algo tão paulino...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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