terça-feira, 28 de junho de 2011

(2011/404) Nós, "teólogos", não devíamos poder dizer o mesmo? E, se quisermos, podemos!


1. Vejam que me incluí na categoria - na condição de "teólogo". Felizmente, penso que eu esteja numa situação já um pouco adiante, porque, em certa dose, não diria assim, no todo, talvez sim, talvez não, eu já me tenha enfiado nessa lama até o pescoço, quero dizer, essa coisa de você (só) dizer o que pensa. Paga-se seu preço.

2. Recebo agora o livro que encomendei: Domenico Losurdo, Hegel, Marx e a Tradição Liberal. Liberdade, Igualdade, Estado. (UNESP, 1998 - como chego tarde!) Dilacero sofregamente o envólucro de papelão do Sedex, uma faca!, cadê uma faca?!, abro a primeira página, e eis com que dou de cara:

Em uma carta de 1776, Kant confessava: 'Na verdade, eu penso, com a mais firme convicção e com grande satisfação, muitas coisas que nunca terei a coragem de dizer, mas jamais direi alguma coisa que não penso' (p. 11).

3. Em se tratando de "pesquisa" (1), mesmo de "Teologia", acho que não há muita coisa, talvez nada, que eu pense - e saiba que pense - e que não tenha dito. Já disse em sala de aula, diversas vezes, quando o tema permite, essas coisas não se dizem por dizer, não se choca ninguém por chocar, simplesmente, elas devem ser como jóias, encrustadas em momentos preciosos, que não tenho a mínima certeza de se Deus existe ou não, se é um, se são vários, se é macho, fêmea, essas coisas, porque, completo, essas coisas não são da ordem do "conhecer/saber", de modo que não apenas eu, mas ninguém "sabe" absolutamente nada sobre isso e, quem diz que "sabe", quem "acha" que sabe, mente pra si e/ou para os outros. Crer nunca foi saber - nem quando se quer fazer da fé conhecimento...

4. Depois de dizer isso, que mais resta? Não. Não sou um homem talhado para o ateísmo. Acho que, no meu caso, não sofri o suficiente para odiar tanto Deus, e, a despeito de saber - sim, saber! - que os homens se mataram violentamente em nome de "Deus", depois de terem , muito antes, criado essa "ideia", bem como de os reis terem particularmente "gostado" dela, também sei que, não fora essa "ideia", seria outra - tá, mas foi essa... Para mim, todavia, teísmo e ateísmo são a mesma coisa, filosoficamente falando. Não quero ouvir argumentos nem de Rick Warren nem de Daniel Dennett (ainda que deste eu comprasse um livro) - simplesmente não me interessam discursos dessa natureza.: pregações...

5. Não sei nem há como eu vir a "saber" se Deus existe (Pascal já falava sobre isso, mas em termos de sua famosa "aposta": é que era, sobretudo, pregador...), mas vivo com a presença imaginada dele (sim, nada posso fazer a respeito, nem quero, imagino-o um e homem, e cada qual o/a imagine como queira, e quantos queira, e não me incomodo de pô-los a conversar, à tardinha), que, jamais, pelo menos não publicamente, transformo em Presença Sabida. É mera "condição". É uma mística de fundo, apesar de que, outro dia, minha mística foi posta em dúvida por meu amigo freqüentador de festas místicas... Mas, cá de mim sei eu. De Deus, nada - de mim, um pouco. Quem me vê assim cantando, não sabe nada de mim...

6. Mas eu não conseguiria não dizer. Nem conseguiria, pior ainda, dizer o contrário. Por isso não posso pensar-me pregador - seja metafísico, seja metafórico, seja doutrinal-dogmático, seja doutrinal-metafórico. Não, não posso levar outros a pensarem que eu penso o que eu não penso. Só posso desnudar-me, mas, meus amigos, os dias são de um frio terrível: vejo homens religiosos agasalhados, com casacos pesados, com roupões de frio, com lenços, cachecóis, luvas. Não, não vejo muita nudez. Quase nenhuma.

7. Tomo para mim - em grande medida - essa coisa escrita por Kant. Sapere aude - "ouse saber", meu amigo Haroldo disse-me que ele falara assim também. Mais do que ousar saber, ouso dizer, também. Para isso, meu amigos, haverá perdão?



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. Na seqüência do capítulo 1 Censura e Autocensura, Losurdo se dedicará a decidir se Hegel era vítima de autocensura ou de duplicidade, e concluirá pela autocensura, e a razão será política - o Estado. Naturalmente que não se pode dizer que nós, teólogos, tenhamos essa mesma razão para andarmos com vestes encorpadas. Ainda que, é verdade, tenhamos passado por duas décadas muito "políticas", militarmente políticas. Mas há algum tempo, já, não é o caso.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio