1. Esses dias ouvi uma vez e li outra que a cena do Jardim do Éden significa a "desumanização" do Homem (a tese foi colhida em Jürgen Moltmann). Trata-se daquela típica abordagem alegórico-moralista e "teológico"-filosófica (tão cara à recepção de Nietzsche no século XX, mas bastante mais antiga), confundindo-se com as origens mesmas da Teologia cristã e responsável pela radical e insuperável incompatibilidade entre leitura histórico-crítica da Bíblia, de um lado, e Teologia Sistemática e Homilética, de outro, desde que se inventou de ler as Escrituras de modo "moderno". Alguém já o dissera por meio de Jesus que odres velhos não suportam vinho novo...
2. Já que citei Nietzsche, lembro-me de que ele dizia que todo teólogo é um mau filólogo - e, até hoje, confesso, não tenho encontrado muitas exceções, e, quando julguei ter encontrado, não era, afinal, um "teólogo". O vídeo abaixo prova isso. Nos termos lúdicos - e filosóficos? - com que trabalha a cena do "Jardim", e provocando Moltmann e seus alegres repetidores, estaríamos mais autorizados a considerar que, antes, trata-se da "humanização" do Homem, e não a sua "desumanização". Observe, na cena, o efeito de mulher e homem comerem a maçã...
3. Apesar de se tratar de um curta de animação, arrisco dizer que ele se aproxima muito mais do texto do que o conjunto da Teologia já fez - e por uma razão simples: a Teologia deixa-se capturar pela maldade da passagem, e a trata como base sobre a qual elabora a sua alegoria pretensamente lúcida, pretensamente libertadora, mas, para todos os fins, alienante. Se a base está comprometida, toda a estrutura carece de fundamento... Diante do "Jardim do Éden" só cabe uma atitude - denúncia!
4. Quem quer que tenha escrito o texto - e todas as minhas apostas estão sobre a casa sacerdotal pós-exílica, por volta de 475, um pouco antes, um pouco depois - está dizendo que "Adão" e "Eva" - isto é, os camponeses de Judá - não podem decidir (o que é bom e o que é mau) por conta própria, mas devem, antes, "perguntar a Deus" (isto é, a eles, os sacerdotes). Porque são "indisciplinados", "desobedientes" e "rebeldes", porque querem ser como os deuses, donos de seus próprios narizes, pagam o preço do suor e da dor.
5. O genial do vídeo é, sobretudo, o fato de que é o gnomo/gremlim divino que faz com que tudo aconteça. E o pobre casal é simplesmente folha ao vento. A isso se resume a "culpa" humana, no frigir dos ovos.
L'Animateur - curta de animação dirigido por Nick Hilligoss
6. "Desumanização"... É cada uma que me aparece...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2 comentários:
Osvaldo, assisti o curta. Fiquei sem palavras... Muito bacana!!!
Para qual público esse vídeo pode ser reproduzido?
Olá, Lair, para qualquer público. O vídeo está disponível no Youtube, e o texto, em Peroratio, nada, portanto, restrito.
Um abraço, meu amigo!
Osvaldo
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