2. Deus e os deuses aconteceram. Nós nos deparamos com "eles", criando-os hermeneuticamente, à medida que caminhamos nossa história. História íntima, intestina, cérebro-espiritual.
3. E caminhamos mais: caminhamos até o ponto novíssimo de saber que nós caminhamos, lá e então, e que, lá e então, nós nos deparamos hermeneuticamente com eles, desse jeito, daquele jeito, criando-os, por hipóstase, a partir de nossas estruturas psicológicas - medo, paixão, êxtase, poder. Depois, foi só inverter o processo, e fazermos de nós, criaturas.
4. Penso que se poderia simplesmente abandonar a idéia dos deuses, mercê de uma autocompreensão profundamente científico-humanista. Todavia, penso que, depois de os termos abandonado, sacudindo a cabeça, de novo e sempre outra vez nos encontraríamos com eles, aqui, ali, acolá. São como joões-bobos - eles voltam; são bumerangues, nunca se vão...
5. Não obstante serem seres dependente de nós, criaturas nossas, são - arrisco dizer - seres xifópagos a nós, em certo sentido, necessariamente, presos a nós, vinculados a nós. São acidentes - mas acidentes necessários...
6. Aqui, penso que teríamos de abrir duas estradas de investigação: uma, propriamente antropológica (radicalmente científico-humanista e científico-cognitivista) e, outra, propriamente "teológica" (chamemos isso aí de "espiritualidade", mas, somente se ela não quer ser tola e infantil, mas, digamos assim, adulta).
7. Antropologicamente, é investigarmos nós mesmos - nossa mente. Não, não encontraremos os deuses aí, porque os deuses não estão aí. Dizer que os deuses emergem daí, não significa dizer que aí é a sua casa e lugar.
8. Mas temos de admitir que é nossa mente quem os mantém vivos, e, se os matamos, ressuscitam, de novo e, novamente, desde nossa própria mente. Talvez em outros formatos, com outras roupas, outras cores, mas, sempre, eles. Ou elas.
9. Temos de, todavia, compreender o fenômeno, e fazer as pazes com ele, o fenômeno - sem divinizá-lo, sem demonizá-lo, sem escondê-lo, sem disfarçá-lo - fazer as pazes com ele, conosco, com o próximo, todos nós, loucos de deuses...
10. Na outra via, fazermos as pazes com nosso "amor" para com os deuses. Se é a eles que amamos, e não a nossa ideia mágica sobre eles, descobrir que são o que são é, agora sim, um encontro profundo. Um segundo encontro...
11. Difícil de compreender? Para a velha teologia, descobrir que os deuses são seres de espírito, emergindo de nossos cérebros conscientes, é um golpe de morte. Alguns tentam um meio termo, e testam metáforas envergonhadas - e tanto, que, em público, não sabem o que são de fato, e bamboleiam, bêbados conceituais, quando fisgados em pleno ato de desequilíbrio.
12. Mas uma nova teologia deveria - juízo meu - reconhecer definitivamente que eles são emergências, criações nossas, mas, todavia, estruturais em sua emergência. Os conteúdos, todos, isto é, se são os deuses muitos, se é um, se é macho, se é fêmea, se é bom, se é mau, isso são coisas que inventamos culturalmente - depende de nós, da cultura.
13. Mas a emergência deles, não - emergiram: vazios, livros de colorir, pontilhados de um revistra de passatempo, e emergirão, porque as condições de sua emergência independem de nós, dependem, apenas, das estruturas hermenêuticas do funcionamento de nossa consciência.
14. "Amar" o que temos, como aquilo que temos, sem a necessidade de inventar que são outra coisa além do que são, sem mentir para nós mesmos - e, definitivamente, sem mentir para os outros.
15. Não, a teologia que está aí não está pronta. Ela ainda "ama" demais o jogo eclesiástico, o sacerdócio, a hierocracia, e um deus de cada um é tudo que não pode haver - tanto quanto aquela orientação de Jesus de trancar-se em seu próprio quarto. Mata-se por isso...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
PS. a canção se trata de Invocação, de Chico César, na voz de Maria Bethânia, via Youtube.
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