1. Muito bom o vídeo do TED sobre a origem darwiniana da noção/percepção de beleza. Eu gostaria de tecer alguns comentários.
2. Penso que o cérebro humano - falo tanto de Biologia quanto de Psicologia - trabalhe em três faixas de elaboração da realidade: a) há uma faixa de mapeamento do real, uma espécie de "sonar", como o dos morcegos, cujo papel é dar conta do "relevo" externo, do que há e está "lá fora" - trata-se da faixa de cognição; b) há uma faixa de hierarquização desse mapeamento em zonas quentes e zonas frias, zonas de interesse e zonas de desinteresse, cujo papel é constitui uma espécie de eixo xis/ypsilon, por meio do qual é possível, então, construir coordenadas, estabelecer um princípio de localização por meio hierárquico, do "valor" - trata-se da faixa de afeição; c) e há uma faixa que mantém o interesse do ser-vivo, nesse caso, o ser humano, pelo meio externo, que garante que ele não se feche em sua clausura de ser-fechado-em-si e que se abra para o meio externo, "desejando-o", apegando-se - trata-se da faixa de volição. Cognição, afeição, volição - Conhecimento (mapeamento do real), afeição (hierarquização do real) e volição (apropriação do real).
3. As três faixas são originariamente orgânicas, isto é, biológicas. Nesse ponto, concordo em número e grau com Denis Dutton - a evolução responde pelo que aconteceu aí, pelo que essa grandeza ternária se tornou, pelo modo como ela funciona. Todavia, não se pode perder de vista o fato de que essa origem orgânico-biológica sofre ininterrupta ação da psiquê, agente que opera por trás e por cima do que é propriamente biológico e orgânico. Não há como falar de "beleza" sem tratar da evolução, claro, mas igualmente não dá para falar de beleza sem falar de psiquê. Assim como cognição, afeição e volição trabalham juntos, biologia e psicologia, cérebro e mente, trabalham juntos. É complexa e indissociável a relação entre eles.
4. Daí que o que é originariamente orgânica o biológico, de modo que tem uma origem funcional e diretamente ligada à evolução, por força da ação da mente humana, da psiquê, tende a separar-se dessa funcionalidade vinculante original, convertendo-se em outra funcionalidade, ainda que sem perder os vínculos originais, logo, pulsionais - e, eu apostaria, sendo ainda operados pela mesma zona cerebral original.
5. Vejamos o caso do "sexo", por exemplo. Não há dúvidas de que nasce organicamente, biologicamente, com função vinculante de reprodução. O caminho que a evolução parece ter empregado para garantir que sexo fosse praticado foi carregá-lo com sensações indescritíveis de prazer - em se tratando da espécie humana, experimentado tanto orgânica quanto psicologicamente. Todavia, o prazer pôde e pode ser isolado da funcionalidade reprodutiva do sexo mecanicamente dado, transformando-se em coisa-em-si. O beijo, por exemplo - nada mais menos-funcional, e, todavia, nada mais erótico... Não há, mais, como separar a sexualidade de sua relação dupla: orgânica e psicológica, ainda que se possa rastrear sua origem orgânica. Quando Malafaia vincula sexo e reprodução, é aos macacos - mas nem a todos! (certamente não aos bonobos e chimpanzés!) que se dirige, não a homens e mulheres psicologicamente ativos - como o fundamentalismo midiático-evangélico é anacrônico...
6. A "beleza" ainda mantém funcionalidades orgânicas, mas, no campo da arte, transformou-se em coisa em si, como o prazer erótico. E, no entanto, ainda é o que é - o encontro do sujeito consigo mesmo, com seus desejos íntimos, seus anseios orgânicos e anímicos, por meio do objeto estético. Daí que se compreende a objetivação - no sentido de tornar a coisa um objeto de desejo - do desejo: o que é propriamente erótico não é, na origem, um encontro de iguais, mas a posse de si por meio de um objeto não-si, isto é, a satisfação de pulsões pessoais por meio de um "espelho". O amor é outra coisa - o amor é a abertura ao outro-enquanto-outro. Mas cá entre nós, meus amigos, amor sem erotismo não dura três dias, e é coisa de convento... e, mesmo assim, não de todos, por supuesto...
7. Dito isso, fiquemos com Denis Dutton.
2. Penso que o cérebro humano - falo tanto de Biologia quanto de Psicologia - trabalhe em três faixas de elaboração da realidade: a) há uma faixa de mapeamento do real, uma espécie de "sonar", como o dos morcegos, cujo papel é dar conta do "relevo" externo, do que há e está "lá fora" - trata-se da faixa de cognição; b) há uma faixa de hierarquização desse mapeamento em zonas quentes e zonas frias, zonas de interesse e zonas de desinteresse, cujo papel é constitui uma espécie de eixo xis/ypsilon, por meio do qual é possível, então, construir coordenadas, estabelecer um princípio de localização por meio hierárquico, do "valor" - trata-se da faixa de afeição; c) e há uma faixa que mantém o interesse do ser-vivo, nesse caso, o ser humano, pelo meio externo, que garante que ele não se feche em sua clausura de ser-fechado-em-si e que se abra para o meio externo, "desejando-o", apegando-se - trata-se da faixa de volição. Cognição, afeição, volição - Conhecimento (mapeamento do real), afeição (hierarquização do real) e volição (apropriação do real).
3. As três faixas são originariamente orgânicas, isto é, biológicas. Nesse ponto, concordo em número e grau com Denis Dutton - a evolução responde pelo que aconteceu aí, pelo que essa grandeza ternária se tornou, pelo modo como ela funciona. Todavia, não se pode perder de vista o fato de que essa origem orgânico-biológica sofre ininterrupta ação da psiquê, agente que opera por trás e por cima do que é propriamente biológico e orgânico. Não há como falar de "beleza" sem tratar da evolução, claro, mas igualmente não dá para falar de beleza sem falar de psiquê. Assim como cognição, afeição e volição trabalham juntos, biologia e psicologia, cérebro e mente, trabalham juntos. É complexa e indissociável a relação entre eles.
4. Daí que o que é originariamente orgânica o biológico, de modo que tem uma origem funcional e diretamente ligada à evolução, por força da ação da mente humana, da psiquê, tende a separar-se dessa funcionalidade vinculante original, convertendo-se em outra funcionalidade, ainda que sem perder os vínculos originais, logo, pulsionais - e, eu apostaria, sendo ainda operados pela mesma zona cerebral original.
5. Vejamos o caso do "sexo", por exemplo. Não há dúvidas de que nasce organicamente, biologicamente, com função vinculante de reprodução. O caminho que a evolução parece ter empregado para garantir que sexo fosse praticado foi carregá-lo com sensações indescritíveis de prazer - em se tratando da espécie humana, experimentado tanto orgânica quanto psicologicamente. Todavia, o prazer pôde e pode ser isolado da funcionalidade reprodutiva do sexo mecanicamente dado, transformando-se em coisa-em-si. O beijo, por exemplo - nada mais menos-funcional, e, todavia, nada mais erótico... Não há, mais, como separar a sexualidade de sua relação dupla: orgânica e psicológica, ainda que se possa rastrear sua origem orgânica. Quando Malafaia vincula sexo e reprodução, é aos macacos - mas nem a todos! (certamente não aos bonobos e chimpanzés!) que se dirige, não a homens e mulheres psicologicamente ativos - como o fundamentalismo midiático-evangélico é anacrônico...
6. A "beleza" ainda mantém funcionalidades orgânicas, mas, no campo da arte, transformou-se em coisa em si, como o prazer erótico. E, no entanto, ainda é o que é - o encontro do sujeito consigo mesmo, com seus desejos íntimos, seus anseios orgânicos e anímicos, por meio do objeto estético. Daí que se compreende a objetivação - no sentido de tornar a coisa um objeto de desejo - do desejo: o que é propriamente erótico não é, na origem, um encontro de iguais, mas a posse de si por meio de um objeto não-si, isto é, a satisfação de pulsões pessoais por meio de um "espelho". O amor é outra coisa - o amor é a abertura ao outro-enquanto-outro. Mas cá entre nós, meus amigos, amor sem erotismo não dura três dias, e é coisa de convento... e, mesmo assim, não de todos, por supuesto...
7. Dito isso, fiquemos com Denis Dutton.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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