1. Eu devo pedir alguma desculpa aos meus colegas teólogos pela forma impaciente, enérgica, categórica, rude às vezes, irônica sempre, com que me expresso. Talvez eu pudesse, algumas vezes, ser mais cuidadoso na retórica. Talvez. Em algumas situações. Peço alguma - alguma - desculpa.
2. Por outro lado, não escrevo para o "crente" médio, aquele das igrejas, que, se ele mesmo não correr atrás das informações, ninguém, absolutamente ninguém da igreja lhas dará - e se, puderem, ainda fecham todas as portas onde, eventualmente, ele as possa encontrar. Não criei um blog "populista", conquanto adoraria vê-lo chegando às centenas, e, mesmo, milhares, de visitas diárias. Não é o caso - contenta-se, ainda, com picos de cinqüenta, e uma média de vinte e cinco visitas diárias. Pouco, para um blog. Não pretendo ser "popular" - no sentido marqueteiro do termo. Pretendo ser compatível.
3. Escrevo, antes, para teólogos formados ou em formação - e, aí, não me importa se estuda em "seminário de esquina" - crimes contra a Teologia - ou se em seminário ou faculdades minimamente sérios. Colou na testa o rótulo de teólogo, agüente o tranco. Logo, o tom áspero de minha fala tem a ver com o fato de que escrevo para meus pares, não importando se terminaram ou não a formação - porque, a rigor, papel nada significa: há quem esteja no começo, mas já tenha ultrapassado - e muito - portadores de doutorados e até de pós-doutorados, simplesmente porque saiu do quadrado. Há papéis que já se assinam amarelados de bolor...
4. Tendo registrado essa observação, devo deixar claro que eu interpreto a grande reação conservadora, explícita ou dissimulada, fundamentalista ou "evangelical", protestante ou católica, como reflexo da reação "teológica" à derrocada de um "mundo", de um modelo agostianiano-hegeliano de história e verdade. O Ocidente ainda vai testemunhar durante muito tempo os estertores da morte daquele mundo, que nunca mais voltará. Aqueles que ainda vivem nele, e principalmente, aqueles que ainda vivem dele, resistirão desesperadamente. É natural. É antropológico. E é um saco!
5. Quando a civilização, há milênios, substituiu seu regime caçador-coletor e sedentarizou-se, inventando a agricultura, houve uma crise tão profunda quanto a que vivemos, com a passagem do regime mitológico, pré-moderno, para o regime de desencantamento de mundo, moderno (a pós-moderidade é um sintoma da reação conservadora, não uma etapa da história). Foram necessáros séculos, talvez milênios, para que a consciência coletora-caçadora da humanidade se reformulasse a partir de sua agora consciência sedentária-agrícola-pastoril. Todos os mitos tiveram de ser substituídos. Todas as tradições tiveram de ser alteradas. Todo um modo de vida, um estilo de civilização, teve de ser abandonado e substituído. Toda uma humanidade simplesmente desapareceu, dando lugar a outra. E isso levou muito, muito, muito tempo...
6. Ora, não faz nem trezentos anos que o mundo agostiniano-hegeliano começou a ruir - quem o ajudou a cair, Newton, era alquimista! O mundo piscou o olho, desde então, quero dizer, esse tempo, na linha de tempo necessária para a transformação total da base civilizatória, é nada. Nós vivemos no olho do furacão - não vivemos no mundo antigo, nem no que há de ser inventado por nós, mas na falha tectônica, no interstício informe, confuso, crítico, na fissura da pele, no fio da espada, sem sermos homens do mundo antigo nem mulheres do mundo novo. O antigo apodrece diante de nossos olhos, antes que possamos criar um novo. Essa crise é civilizatória - Gadamer é, ainda (arrisco o juízo) a sistematização racionalizada da reação conservadora: a manutenção da tradição. Mesmo Vattimo opera na tentativa de manter o velho, quando o novo já apita na curva: a cultura é o cristianismo - mantenham as rotativas, garantam-se os lugares! (isso dito numa europa reagindo às "invasões" estrangeiras, às imigrações do terceiro mundo, de terceiras culturas, ganha outro significado, não? - "a cultura é o cristianismo"...).
7. Não sei se a crise é experimentada pela massa. Penso que não. A massa vai tocada pelos boiadeiros, para lá ou para cá. São as "altas" posições - políticas, filosóficas, religiosas, econômicas, são elas que "pensam" o velho e o novo. A massa sequer tem a noção da crise. Ela não dispõe ao menos das categorias conceituais sequer para a expressar discursivamente. E, no entanto, é a massa que garante a manutenção do velho ou a irrupção do novo - Nietzsche dizia que a vantagem da plebe (Nietzsche era aristocrático, seja dito) é que são muitos! -, sendo por isso necessariamente manipulada por quem se acha o Moisés do novo, ou o Elias do velho. É a manipulação das massas, politicamente, filosoficamente, economicamente, teologicamente - midiaticamente - que pode garantir aos messias da defesa do velho e aos messias da defesa do novo a sustentabilidade do respectivo projeto político.
8. Por isso, a massa nunca é levada a pensar, mas é - levada! Por isso o velho teme a pesquisa, a crítica, porque, assim, a massa tenderá a desconfigurar sua estrutura de manada - fundamentalistas e não-fundamentalistas engajados estão, sempre, à frente de manadas. Também por isso os visionários a-críticos do novo consideram a pesquisa, a crítica, mas na dimensão de instrumentos retóricos de dissolução do velho e de construção do seu novo, isto é, do novo conforme aí pensado. É curioso que se chame ao córtex de "massa" cefálica - porque, na prática, as altas eminências lidam com a "massa" como sendo acéfala e, para a grande maioria dos líderes políticos e teológicos, é necessário que o seja.
9. Direita e esquerda brincam de Deus. Direita e esquerda manipulam as massas - se arvoram-se em "messias" agostinianos ou marxistas. Esta crise, para constituir-se como estruturalmente diferente daquela, da passagem do paradigma coletor-caçador para o paradigma agrícola, precisa quebrar a estrutura pastor/gado, precisa ser enfrentada com educação para a autonomia, com educação para a desmassificação - o que, contudo, não parece ser o caso. Tudo à nossa volta traduz-se por "cultura de massa". Também a Teologia.
10. Não há como prever para onde caminhamos. Não há como saber nem se a crise da Teologia brasileira, esperneando de desgosto e desespero em face de um MEC que lhe parece intromissor (mas ela é que lhe foi bater às portas!), traduziria uma marca característica dessa crise maior da Modernidade, ou, meramente, um capítulo já manjado do velho modo como a Teologia se constitui, desde em face a Sócrates, depois, a Galileu - sendo, que, agora, ela está "do outro lado", isto é, sem poder civil... porque, se o tivesse, pelo andar da carruagem, quero dizer, pelo que se vai escrevendo na defesa dela, da Senhora Teologia-Confissão, pode-se saber para onde o barco iria...
11. O fato é que nós, teólogos, não temos o direito de lidar irresponsavelmente com a Teologia. Com o mundo que morre - que vai morrendo, que morreu -, a Teologia velha está morta - ela já fede, como diria Nietzsche do corpo de "Deus". A Teologia clássica não tem mais nenhuma diferença dos RPG! Milhões de jovens, pelo mundo, jogam RPG a partir de rotinas e sistematizações teológicas - mitológicas - tão racionalizadas quanto a Teologia Sistemática de Pannenberg! E nao digo isso em tom de ironia - é um fato! É preciso que saiamos de nosso quadrado, que observemos com responsablidade a crise irremediável da Modernidade - que mal começou - e que nos preparemos para ajudar nas configurações míticas que haverão de ser necessárias para a nova humanidade que daí advirá.
12. Não é - de forma irresponsável - lobotomizando nossas consciências - e as das pessoas sob nossa responsabilidade - que nos tornaremos relevantes, nós, teólogos, nós, teólogas. É preciso não negociar nenhum valor ético, nenhum valor fundamental da Modernidade, para que ela se constitua transparentemente diante de nós, sob o diapasão da racionalidade crítica, da ética, da igualdade, da liberdade, da fraternidade, da livre-determinação humana e dos povos, valores que, convenhamos, a velha Teologia sempre fez questão de negar e/ou relativizar, chamando, por exemplo, "liberdade" a uma escravidão alienada.
13. Basta, senhores. Construamos o futuro. Porque, a despeito de nós - ele vem...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
PS. para uma leitura extraordinariamente lúcida, comparando a crise da Modernidade com a crise da mudança do paradigma coletor-caçador para o paradigma agrícola, cf. o excepcional capítulo "Alquimia, Ciência Naturais e Temporalidade" no espetacular livrinho de Mircea Eliade, Ferreiros e Alquimistas. Lisboa: Relógio d'Água, 1987. Curioso é ver um Eliade na capa, que é a cara do Saramago...
2. Por outro lado, não escrevo para o "crente" médio, aquele das igrejas, que, se ele mesmo não correr atrás das informações, ninguém, absolutamente ninguém da igreja lhas dará - e se, puderem, ainda fecham todas as portas onde, eventualmente, ele as possa encontrar. Não criei um blog "populista", conquanto adoraria vê-lo chegando às centenas, e, mesmo, milhares, de visitas diárias. Não é o caso - contenta-se, ainda, com picos de cinqüenta, e uma média de vinte e cinco visitas diárias. Pouco, para um blog. Não pretendo ser "popular" - no sentido marqueteiro do termo. Pretendo ser compatível.
3. Escrevo, antes, para teólogos formados ou em formação - e, aí, não me importa se estuda em "seminário de esquina" - crimes contra a Teologia - ou se em seminário ou faculdades minimamente sérios. Colou na testa o rótulo de teólogo, agüente o tranco. Logo, o tom áspero de minha fala tem a ver com o fato de que escrevo para meus pares, não importando se terminaram ou não a formação - porque, a rigor, papel nada significa: há quem esteja no começo, mas já tenha ultrapassado - e muito - portadores de doutorados e até de pós-doutorados, simplesmente porque saiu do quadrado. Há papéis que já se assinam amarelados de bolor...
4. Tendo registrado essa observação, devo deixar claro que eu interpreto a grande reação conservadora, explícita ou dissimulada, fundamentalista ou "evangelical", protestante ou católica, como reflexo da reação "teológica" à derrocada de um "mundo", de um modelo agostianiano-hegeliano de história e verdade. O Ocidente ainda vai testemunhar durante muito tempo os estertores da morte daquele mundo, que nunca mais voltará. Aqueles que ainda vivem nele, e principalmente, aqueles que ainda vivem dele, resistirão desesperadamente. É natural. É antropológico. E é um saco!
5. Quando a civilização, há milênios, substituiu seu regime caçador-coletor e sedentarizou-se, inventando a agricultura, houve uma crise tão profunda quanto a que vivemos, com a passagem do regime mitológico, pré-moderno, para o regime de desencantamento de mundo, moderno (a pós-moderidade é um sintoma da reação conservadora, não uma etapa da história). Foram necessáros séculos, talvez milênios, para que a consciência coletora-caçadora da humanidade se reformulasse a partir de sua agora consciência sedentária-agrícola-pastoril. Todos os mitos tiveram de ser substituídos. Todas as tradições tiveram de ser alteradas. Todo um modo de vida, um estilo de civilização, teve de ser abandonado e substituído. Toda uma humanidade simplesmente desapareceu, dando lugar a outra. E isso levou muito, muito, muito tempo...
6. Ora, não faz nem trezentos anos que o mundo agostiniano-hegeliano começou a ruir - quem o ajudou a cair, Newton, era alquimista! O mundo piscou o olho, desde então, quero dizer, esse tempo, na linha de tempo necessária para a transformação total da base civilizatória, é nada. Nós vivemos no olho do furacão - não vivemos no mundo antigo, nem no que há de ser inventado por nós, mas na falha tectônica, no interstício informe, confuso, crítico, na fissura da pele, no fio da espada, sem sermos homens do mundo antigo nem mulheres do mundo novo. O antigo apodrece diante de nossos olhos, antes que possamos criar um novo. Essa crise é civilizatória - Gadamer é, ainda (arrisco o juízo) a sistematização racionalizada da reação conservadora: a manutenção da tradição. Mesmo Vattimo opera na tentativa de manter o velho, quando o novo já apita na curva: a cultura é o cristianismo - mantenham as rotativas, garantam-se os lugares! (isso dito numa europa reagindo às "invasões" estrangeiras, às imigrações do terceiro mundo, de terceiras culturas, ganha outro significado, não? - "a cultura é o cristianismo"...).
7. Não sei se a crise é experimentada pela massa. Penso que não. A massa vai tocada pelos boiadeiros, para lá ou para cá. São as "altas" posições - políticas, filosóficas, religiosas, econômicas, são elas que "pensam" o velho e o novo. A massa sequer tem a noção da crise. Ela não dispõe ao menos das categorias conceituais sequer para a expressar discursivamente. E, no entanto, é a massa que garante a manutenção do velho ou a irrupção do novo - Nietzsche dizia que a vantagem da plebe (Nietzsche era aristocrático, seja dito) é que são muitos! -, sendo por isso necessariamente manipulada por quem se acha o Moisés do novo, ou o Elias do velho. É a manipulação das massas, politicamente, filosoficamente, economicamente, teologicamente - midiaticamente - que pode garantir aos messias da defesa do velho e aos messias da defesa do novo a sustentabilidade do respectivo projeto político.
8. Por isso, a massa nunca é levada a pensar, mas é - levada! Por isso o velho teme a pesquisa, a crítica, porque, assim, a massa tenderá a desconfigurar sua estrutura de manada - fundamentalistas e não-fundamentalistas engajados estão, sempre, à frente de manadas. Também por isso os visionários a-críticos do novo consideram a pesquisa, a crítica, mas na dimensão de instrumentos retóricos de dissolução do velho e de construção do seu novo, isto é, do novo conforme aí pensado. É curioso que se chame ao córtex de "massa" cefálica - porque, na prática, as altas eminências lidam com a "massa" como sendo acéfala e, para a grande maioria dos líderes políticos e teológicos, é necessário que o seja.
9. Direita e esquerda brincam de Deus. Direita e esquerda manipulam as massas - se arvoram-se em "messias" agostinianos ou marxistas. Esta crise, para constituir-se como estruturalmente diferente daquela, da passagem do paradigma coletor-caçador para o paradigma agrícola, precisa quebrar a estrutura pastor/gado, precisa ser enfrentada com educação para a autonomia, com educação para a desmassificação - o que, contudo, não parece ser o caso. Tudo à nossa volta traduz-se por "cultura de massa". Também a Teologia.
10. Não há como prever para onde caminhamos. Não há como saber nem se a crise da Teologia brasileira, esperneando de desgosto e desespero em face de um MEC que lhe parece intromissor (mas ela é que lhe foi bater às portas!), traduziria uma marca característica dessa crise maior da Modernidade, ou, meramente, um capítulo já manjado do velho modo como a Teologia se constitui, desde em face a Sócrates, depois, a Galileu - sendo, que, agora, ela está "do outro lado", isto é, sem poder civil... porque, se o tivesse, pelo andar da carruagem, quero dizer, pelo que se vai escrevendo na defesa dela, da Senhora Teologia-Confissão, pode-se saber para onde o barco iria...
11. O fato é que nós, teólogos, não temos o direito de lidar irresponsavelmente com a Teologia. Com o mundo que morre - que vai morrendo, que morreu -, a Teologia velha está morta - ela já fede, como diria Nietzsche do corpo de "Deus". A Teologia clássica não tem mais nenhuma diferença dos RPG! Milhões de jovens, pelo mundo, jogam RPG a partir de rotinas e sistematizações teológicas - mitológicas - tão racionalizadas quanto a Teologia Sistemática de Pannenberg! E nao digo isso em tom de ironia - é um fato! É preciso que saiamos de nosso quadrado, que observemos com responsablidade a crise irremediável da Modernidade - que mal começou - e que nos preparemos para ajudar nas configurações míticas que haverão de ser necessárias para a nova humanidade que daí advirá.
12. Não é - de forma irresponsável - lobotomizando nossas consciências - e as das pessoas sob nossa responsabilidade - que nos tornaremos relevantes, nós, teólogos, nós, teólogas. É preciso não negociar nenhum valor ético, nenhum valor fundamental da Modernidade, para que ela se constitua transparentemente diante de nós, sob o diapasão da racionalidade crítica, da ética, da igualdade, da liberdade, da fraternidade, da livre-determinação humana e dos povos, valores que, convenhamos, a velha Teologia sempre fez questão de negar e/ou relativizar, chamando, por exemplo, "liberdade" a uma escravidão alienada.
13. Basta, senhores. Construamos o futuro. Porque, a despeito de nós - ele vem...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
PS. para uma leitura extraordinariamente lúcida, comparando a crise da Modernidade com a crise da mudança do paradigma coletor-caçador para o paradigma agrícola, cf. o excepcional capítulo "Alquimia, Ciência Naturais e Temporalidade" no espetacular livrinho de Mircea Eliade, Ferreiros e Alquimistas. Lisboa: Relógio d'Água, 1987. Curioso é ver um Eliade na capa, que é a cara do Saramago...
Um comentário:
E ai é onde me pergunto: O que fazer com a Teo Siestemática, que se proclama dona da verdade e descifradora única do texto "para aplicar às necessidades atuais"? O que fazer quando diz que a exegese é só uma ferramenta? O que fazer quando se tem que estudar para falar ao povo uma "interpretação" bonitinha, a "verdade" sistemática? Haja conflito...
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