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1. O dia em que Yahweh foi proibido de ser mau até hoje ele nunca esquece. Yahweh crescera nas montanhas do Sul, um deus bárbaro das montanhas. Desde o alto delas, avistava os longos desertos do Negeb. Quando queria, caçava – homens! Era, ah!, um deus livre, um deus guerreiro, um deus apropriado para a batalha, de armadura e lança, de elmo e escudo, de carro e de arco e flecha. Seu prazer era dispará-las e acertar o alvo – e deliciar-se com a vitória.
2. Deuses também têm mau humor, e, se você é um deus com mau humor, os incautos que saiam da frente. Um deus de mau humor é como um vulcão, cujas cinzas de antigas erupções fertilizam a terra, que, verdejante, viceja como o corpo de Asherah. Não se vá esquecer, contudo, que a qualquer momento se é tomado de fogo nas ventas, a lava sobe até as nuvens, escorre, ígnea pelas encostas, e queima e mata tudo e todos. Nesses dias, nenhuma oração, nenhum rito, nenhum grito, nada, absolutamente nada demove a fúria divina – ela lastra como fogo no trigal seco, lambem as labaredas a carne das almas humanas. E esse deus se ri. Enquanto não passa o seu tédio, o vulcão não fecha a boca.
3. Outras vezes, aquelas cidades que ele costuma cuidar ao preço de ser paparicado – não se vá pensar dos deuses que sejam politicamente corretos – faz alguma coisa errada, sei lá, deixa o pão das proposições passar do tom de cobre, e, então, ele, para vingar-se e divertir-se, que os deuses divertem-se com a matança humana, como os meninos em jogos de tiro, eis que traz, de longe, exércitos de assassinos e estupradores, exímios em penetrar, em todos os sentidos, a carne humana.
4. Também ocorre de um desgraçado qualquer das cidades de quem o deus gosta pise em estrume e, imbecil, contamine a santidade da Casa Sagrada... Ah! Maldito seja! Em resposta à afronta inominável, Yahweh desperta a peste, e ela vem, nigérrima, bocarra escancarada, como jubartes a engolir sardinhas, dizimando, dizimando de novo, raspando o prato, lambendo as bordas. Até que ele se cansa, vai dormir, e a peste volta para casa, forrada, estufada de almas humanas.
5. Então, um dia, os persas chegaram aos ouvidos de Judá e lhe revelaram um segredo: Yahweh só faz o mal porque os judaítas deixam, porque nenhum deus pode ser bom e mau – ao mesmo tempo: ou ele é bom, ou ele é mau – os dois, não. Nesse dia, os judaítas tomaram Yahweh pela gola do manto, forçaram-no a sentar na cadeira em frente ao Conselho dos Anciãos, e, com o dedo em riste, um dedo de anel persa, lhe disseram as palavras do século VI – “nunca mais, Yahweh, entendeu?, nunca mais farás o mau – proibimos-te”.
6. Juro! Yahweh esperneou os esperneios que se haveriam de esperar, disse que era deus, que só ele fazia o bom e o mau, que só ele criava a paz e a guerra. Resistiu. Esbravejou. “Eu dou! Eu tomo! Eu sou Yahweh!” – gritava... Mas era tarde. Quando os homens não crêem mais, os deuses nada podem. E Yahweh perdeu um dos testículos naquele dia... Metade de seus hormônios entornaram-se na terra...
7. Se eu estava lá? Está doido? Isso tem dois mil e quinhentos anos! São histórias que nos chegam aos ouvidos, trazidas de gerações beduínas de caminhar esse deserto terrível da vida e do passado. E, se é para crer na história, melhor ouvir o seu final. Conta-se que, tendo perdido a guerra contra seus crentes, castrado de seu lado mau, mas restando-lhe ainda uma gota do velho Yahweh, num último suspiro, essa maldade residual rogou uma praga – “ah!, povo de dura cerviz, amaldiçoado seja tu e tua geração – eu não te farei mais mal. Mais nenhum. Não posso. Castraste-me. Mas espera, caterva! Espera! Distante marcha e para cá caminha a legião de todos os demônios e de todos os diabos de todos os mundos e de todas as eras – e vêm famintos. De quê? De devorar vossa carne, que comerão ainda crua e viva, porque mastigarão cada pedaço do vosso corpo, até os ossos, e beberão cada gota de vosso sangue, entre vossos urros e vossas agonias. Porque eu não posso mais fazer-te mal, mas era melhor teres por deus um deus bom/mau, do que por diabos os milhões de mandíbulas do inferno...
8. E foi assim que os diabos invadiram a terra. Foi assim que cada milímetro cúbico da atmosfera encheu-se de demônios. Antes, cada povo tinha seu deus, ora bom, ora mau. Agora, a vida é ser comido vivo pelas hostes pestilenciais do Tártaro. Porque você pode impedir seu deus de fazer o mau – mas não pode tirar do mau seu instinto carnívoro...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Deuses também têm mau humor, e, se você é um deus com mau humor, os incautos que saiam da frente. Um deus de mau humor é como um vulcão, cujas cinzas de antigas erupções fertilizam a terra, que, verdejante, viceja como o corpo de Asherah. Não se vá esquecer, contudo, que a qualquer momento se é tomado de fogo nas ventas, a lava sobe até as nuvens, escorre, ígnea pelas encostas, e queima e mata tudo e todos. Nesses dias, nenhuma oração, nenhum rito, nenhum grito, nada, absolutamente nada demove a fúria divina – ela lastra como fogo no trigal seco, lambem as labaredas a carne das almas humanas. E esse deus se ri. Enquanto não passa o seu tédio, o vulcão não fecha a boca.
3. Outras vezes, aquelas cidades que ele costuma cuidar ao preço de ser paparicado – não se vá pensar dos deuses que sejam politicamente corretos – faz alguma coisa errada, sei lá, deixa o pão das proposições passar do tom de cobre, e, então, ele, para vingar-se e divertir-se, que os deuses divertem-se com a matança humana, como os meninos em jogos de tiro, eis que traz, de longe, exércitos de assassinos e estupradores, exímios em penetrar, em todos os sentidos, a carne humana.
4. Também ocorre de um desgraçado qualquer das cidades de quem o deus gosta pise em estrume e, imbecil, contamine a santidade da Casa Sagrada... Ah! Maldito seja! Em resposta à afronta inominável, Yahweh desperta a peste, e ela vem, nigérrima, bocarra escancarada, como jubartes a engolir sardinhas, dizimando, dizimando de novo, raspando o prato, lambendo as bordas. Até que ele se cansa, vai dormir, e a peste volta para casa, forrada, estufada de almas humanas.
5. Então, um dia, os persas chegaram aos ouvidos de Judá e lhe revelaram um segredo: Yahweh só faz o mal porque os judaítas deixam, porque nenhum deus pode ser bom e mau – ao mesmo tempo: ou ele é bom, ou ele é mau – os dois, não. Nesse dia, os judaítas tomaram Yahweh pela gola do manto, forçaram-no a sentar na cadeira em frente ao Conselho dos Anciãos, e, com o dedo em riste, um dedo de anel persa, lhe disseram as palavras do século VI – “nunca mais, Yahweh, entendeu?, nunca mais farás o mau – proibimos-te”.
6. Juro! Yahweh esperneou os esperneios que se haveriam de esperar, disse que era deus, que só ele fazia o bom e o mau, que só ele criava a paz e a guerra. Resistiu. Esbravejou. “Eu dou! Eu tomo! Eu sou Yahweh!” – gritava... Mas era tarde. Quando os homens não crêem mais, os deuses nada podem. E Yahweh perdeu um dos testículos naquele dia... Metade de seus hormônios entornaram-se na terra...
7. Se eu estava lá? Está doido? Isso tem dois mil e quinhentos anos! São histórias que nos chegam aos ouvidos, trazidas de gerações beduínas de caminhar esse deserto terrível da vida e do passado. E, se é para crer na história, melhor ouvir o seu final. Conta-se que, tendo perdido a guerra contra seus crentes, castrado de seu lado mau, mas restando-lhe ainda uma gota do velho Yahweh, num último suspiro, essa maldade residual rogou uma praga – “ah!, povo de dura cerviz, amaldiçoado seja tu e tua geração – eu não te farei mais mal. Mais nenhum. Não posso. Castraste-me. Mas espera, caterva! Espera! Distante marcha e para cá caminha a legião de todos os demônios e de todos os diabos de todos os mundos e de todas as eras – e vêm famintos. De quê? De devorar vossa carne, que comerão ainda crua e viva, porque mastigarão cada pedaço do vosso corpo, até os ossos, e beberão cada gota de vosso sangue, entre vossos urros e vossas agonias. Porque eu não posso mais fazer-te mal, mas era melhor teres por deus um deus bom/mau, do que por diabos os milhões de mandíbulas do inferno...
8. E foi assim que os diabos invadiram a terra. Foi assim que cada milímetro cúbico da atmosfera encheu-se de demônios. Antes, cada povo tinha seu deus, ora bom, ora mau. Agora, a vida é ser comido vivo pelas hostes pestilenciais do Tártaro. Porque você pode impedir seu deus de fazer o mau – mas não pode tirar do mau seu instinto carnívoro...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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