sexta-feira, 2 de outubro de 2009

(2009/508) Linguagem agonística e paixão



1. A "figura" do atacante é famosa no Brasil. Ele é, invariavelmente o rei. Pelé, Romário, Zico. Reis. Reis guerreiros. Por sua vez, o defensor é, também, guerreiro. Espera-se "raça" de ambos. O defensor espera o atacante, - sabe que ele vem. Tenta desarmá-lo. Um dos dois vencerá o embate, o combate... E a multidão grita. Atacante, ponta-de-lança, defensor - linguagem agonística para o esporte...

2. Minha linguagem é, também, agonística. Por que, quando se trata de futebol, ninguém reclama da linguagem agonística, mas, invariavelmente, reclamam de minha postura e redação aguerridas? Meu amigo Ronaldo Cavalcante e eu trocamos alguns e-mail hoje - num dos quais ele elogiou rasgadamente ouviroevento e Peroratio. No mesmo e-mail, entretanto, ele me disse:

Falando francamente!!!!, acho que a sua experiência solipsista é mais decorrente da sua forma que do seu conteúdo - em alguns momentos sua argumentação exala um posicionamento crítico-dogmático beirando o fundamentalismo que vc. tão bem combate. Essa coisa de "cruzada" (arrepiei, só de escrever!) cheira muito a extremismo e prepotência. Se vc. aliviasse um pouco na retórica, usasse de parcimônia nas palavras, utilizasse a navalha de Ockham no seu próprio discurso certamente teria alguns poucos companheiros a mais de trincheira.

3. Volta e meia me dizem isso. Até Haroldo já me disse isso. Já fiz alguns mal-amigos por conta disso (não eram, afinal, amigos). Todavia, penso que o que deveria estar em jogo não era a retórica, mas o argumento. Se o que escrevo tem fundamento, a retórica é suportável. Entretanto, acho que nem se consegue me ouvir, pelo fato de que o modo como o digo causa desconforto. Talvez por isso eu sinta que, no fundo, escrevo para as próximas gerações, que conseguirão distanciar-se da retórica, e recuperarão o argumento.


4. Quem lia O Anticristo de Nietzsche devia odiá-lo, quero dizer, seus contemporâneos. Ele chama aos teólogos - todos - de maus filólogos (em termos exegéticos, ele está certo: a Teologia, até hoje, não quer aprender exegese, e, quando reconhece a exegese, acha que ela é uma coisa, e a Teologia, outra...). Nietzsche dizia que os cristãos são bestas de carga. Deviam odiá-lo. Quando morreu, muitos devem ter dito "bem-feito". E, no entanto, as duas afirmações são corretíssimas. Hoje, distante, posso lê-lo, e atestar a procedência sociológica de sua crítica. Adoro - justamente - essa retórica... Não leio os mansos. Leio os selvagens. Não leio os santos. Só os profanos.

5. Há certas coisas que não há como dizê-las como quem passa a mão na cabeça. Não há como negociar certas coisas. A Epistemologia é uma delas. Muito do desconforto do que se sente diante do que digo não é tanto por conta do modo como eu digo, mas do fato de eu dizer! Não dá pra salvar a Teologia - e isso você pode dizer de qualquer modo, que dói do mesmo jeito. Para ela entrar no século XIX - nem falo no XXI (o XX é uma excrecência teológica) -, ela tem de transformar-se completamente, tornar-se em outra coisa, conquanto que outra coisa a partir dela mesma, como a Química é outra coisa, mas saindo de dentro da Alquimia...

6. Arriscarei a manutenção da linguagem agonística. Não tem nada a ver com A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen, no sentido de a própria flecha lançar-se... Não! Certo, eu "não me preparo" para usar a linguagem agonística, confesso, mas, não é que "algo dance nela" - ela sou eu! Pesquisa, para mim, estudo, não é teatro, não é contemplação, não é religião! É investigação! Um pouco mais de desconforto e solidão ainda posso suportar. Quando não puder mais suportar essa angústia, desligo o computador e vou embora. Vou ao teatro...

7. Agonístico, mas não desrespeitoso. Agonístico, mas não pérfido. Agonístico, mas não covarde. Agonístico, mas não dissimulado. Agonístico, mas fraterno. Uso as armas do duelo agorarial. Não apunhalo pelas costas. Não atiro à distância. Uso a baioneta - face to face... Como quem corre com a bola, dribla um, dois, três, e, diante do goleiro, chuta com toda força... Se o goleiro for bom, ele agarra (até hoje não me responderam uma crítica!). Se não, deixa-me comemorar meu gol agonístico, que é da pesquisa ser também apaixonado.





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS. Estou até vendo meu amigo Ronaldo resmungando: ah, então depois não reclama. E ele está certo. Eu é que reclamei da solidão...

3 comentários:

Elias Aguiar disse...

Gooooooooooool!

:)

Abraços, Mestre. Saudade.

Elias Aguiar

Cristianismo Livre disse...

Testosterona cognitiva? Aqueles que pensam por sim mesmo ainda são subversivos e profanos. Lembro dos gritos farisaicos que emanam dos sinóticos se opondo a um galileu subversivo e profano...

Só nos resta a sobriedade para encarar as consequências, sendo todas essas minhs esperanças também. Ser um subversivo cognitivo, um profanador de "cabestros" e "arreios", e, principalmente um consciente das consequências de ser "livre" e mostrar que é possível ser livre.

Isto seria consciência tomada até à última gota?

Peroratio disse...

Tenho experimentado uma certa liberdade, cujo preço é uma certa solidão. Aí, em momentos de máxima testosterona, amo a liberdade, e, em outros, sinto-me carente de afeto. Seo nível hormonal fosse sempre o mesmo, não me permitiria a ocasião de sopesar minha postura. Assim, é salutar que meu humor oscile, paa que, a cada manhã, eu decida entre acomodar-me, entre ser sutil, entre ser conforme, e entre ser iconoclasta. O preço, o corpo paga no dia seguinte...

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio