(2009/476) Narrar Deus numa sociedade pós-metafísica

1. Por estes dias aconteceu na UNISINOS, em São Leopoldo, um simpósio internacional sob o tema "Narrar Deus numa sociedade pós-metafísica". Acabo de receber release da palestra de encerramento feita por um professor da Universidade de Madras. Mesmo não tendo tempo para um comentário, compartilho o conteúdo.


HAROLDO REIMER

Um Deus pós-metafísico em uma sociedade pós-secular

A conferência de encerramento do X Simpósio Internacional IHU: Narrar Deus numa sociedade pós-metafísica. Possibilidades e impossibilidades, realizada no final da manhã de ontem, dia 17 de setembro, foi proferida pelo Prof. Dr. Felix Wilfred, da University of Madras, da Índia. Num clima descontraído, o professor Wilfred iniciou sua fala dizendo que vir ao Brasil é sempre uma experiência de aprendizado, pois “o Brasil nos estimula a pensar”.

Em seguida, falou sobre as características do que ele identifica como a crise atual na narração cristã de Deus. “Há visões e experiências diferentes de Deus e o diálogo inter-religioso mostra isso”, explica. Na opinião de Wilfred, foi a passagem cultural do metafísico para o pós-metafísico o que provocou a principal transformação na concepção de Deus. Ao enfatizar o tema da crise da concepção cristã de Deus, o palestrante coloca ao público alguns questionamentos, entre os quais: “até que ponto o diálogo inter-religioso pode ajudar a superar essa crise?” e “o que o diálogo inter-religioso sobre Deus significa na sociedade pós-metafísica e pós-secular?”.

Depois, Felix Wilfred trouxe à tona alguns problemas do monoteísmo, que pode ser considerado um produto do politeísmo. O professor lembrou que, segundo as estatísticas mais recentes, no hinduísmo existem 330 milhões de deuses. “Existem tantas formas e expressões do divino e um só deus não pode esgotar todas elas”.

Wilfred também falou sobre a questão do mal e da falibilidade humana. “A vida humana é a confrontação entre o bem e o mal. É uma luta constante, sem um final feliz onde os deuses bons vencem”. Ele explica que a ocorrência das tragédias pode levar ao entendimento de que ou Deus é tão onipotente que não quer ajudar ninguém, ou ele até pode ser misericordioso, mas não é tão poderoso assim. E o diálogo inter-religioso pode não ser a solução, mas é capaz de jogar uma luz sobre esse problema.

Outro ponto discutido por Felix Wilfred em sua conferência foi a questão necessidade da existência de um Deus transcendente. E trouxe a posição de Buda, para quem era possível ter uma vida ética sem referência a um Deus transcendente. “Esse é o maior desafio que o budismo apresenta”, afirma o professor indiano.

E Wilfred insiste na questão da importância do diálogo inter-religioso, cujo papel deve ser o de tornar Deus uma busca humana, ele deve ajudar as pessoas a descobrir o divino, mostrando que há inúmeras formas de se aproximar do mistério de Deus. “As religiões juntas mostram melhor o mistério de Deus do que uma sozinha”, defende Felix Wilfred.

A abordagem mística de Deus foi outro tema discutido pelo indiano, que entende que o mistério de Deus é algo a ser experimentado e vivenciado. Na visão dele, o misticismo constitui a base de todas as religiões, ou, usando as palavras de Karl Rahner, “ou o cristão é um místico ou não é ninguém”.

Felix Wilfred encerrou sua conferência situando o Deus pós-metafísico em uma sociedade pós-secular. “A pós-metafísica não deve ser vista como uma ameaça, mas como um convite para se aproximar mais de Deus, numa espécie de realidade fluida”, explica Wilfred, ao acrescentar que, quem deseja compreender melhor a questão pós-metafísica deve se aproximar do budismo e do hinduísmo e que a pós-metafísica deve ser considerada uma ponte entre as tradições religiosas. “É preciso fazer um esforço para narrar Deus a partir da relação dos seres humanos com a natureza. A concepção pós-metafísica de Deus pode ajudar a fazer com que Sua presença não seja ameaçadora em nossa sociedade”, finaliza o professor.