sábado, 4 de julho de 2009

(2009/383) Réquiem da Hermenêutica Não-fundacional








1. Necrológio. Tristeza. Choro. Frustrações. Ferida de morte nas páginas 43 e 44, agoniza na página 45 e, inconsolavelmente, na página 46, morre de morte anunciada a Epistemologia Não-Fundacional, a Hermenêutica Não-Fundacional, deixando órfãos e órfãs perplexos e perplexas pela face do não-planeta em que cuidavam brincar de arbitrariedades não-situadas. Alguns, observe-se, sequer entendem o que acontece à sua volta...

2. Não houve sangue, contudo. Porque o cadáver é espectral e fantasmático, sem substância e a-carbônico, feito de noológicas quimeras infantilizadas, conquanto mestras e doutas... Será sepultado assim mesmo. E os vermes hão de comê-lo – é a lei da vida...

3. Eis o epitáfio, que, adverte-se, não pode ser lido sem profundas consternações da alma e do corpo, seguido da necessária ressuscitação do funâmbulo de Zaratustra, o que somente há de entender aqueles que não se deixaram encantar pelo corpo morto nem pelo fantasma redivivo de um platonismo alucinado:

(44) E eis-nos aqui, neste começo de milênio, num universo que traz em seu princípio o Desconhecido, o Insondável e o Inconcebível. Eis-nos num universo nascido de um desastre e cuja organização só pôde se dar a partir de uma minúscula imperfeição e de uma (44/45) formidável destruição (de antimatéria). Eis-nos num universo que, a partir de um acontecimento/acidente que escapa a todas as nossas possibilidades de conhecimento atual, se auto-criou, autoproduziu, auto-organizou. Eis-nos num universo cujo ecossistema necessário à sua organização é talvez o nada (tudo que se auto-organiza se alimenta de energias, nosso universo se alimenta das formidáveis energias surgidas da irrupção térmica inicial, mas de onde saíram essas energias?). Eis-nos num universo que se organiza desintegrando-se. Eis-nos num universo que traz ainda em si outros espantosos mistérios, entre os quais o aniquilamento, no momento mesmo de sua formação, das antipartículas pelas partículas, ou seja, a destruição quase total da antimatéria pela matéria, a menos que, mistério não menos espantoso, um universo de antimatéria acompanhe de forma oculta o nosso universo, ou então que este seja apenas um ramo de um polimorfo pluriverso. Eis-nos num universo no limite do possível que, se não tivesse a densidade bem definida de matéria que possui, deveria ou ter voltado a se contrair imediatamente após seu nascimento, ou ter se dilatado sem produzir galáxias nem estrelas. Eis-nos num universo com tamponamentos de galáxias, colisões e explosões de astros, no qual a estrela, longe de ser uma esfera que baliza o céu, é uma bomba de hidrogênio em câmara lenta, um motor de chamas. Eis-nos num universo em que o caos funciona, e que obedece a uma dialógica na qual ordem e desordem não são apenas inimigas, mas cúmplices para que nasçam suas organizações galáxicas, estelares, nucleares e atômicas. Eis-nos num universo em que certamente muitos enigmas serão elucidados, mas que jamais voltará à sua simplicidade mecânica, que jamais recuperará seu centro solar, e no qual aparecerão outros fenômenos ainda mais espantosos do que os que acabamos de descobrir.

E eis-nos também numa galáxia marginal, a Via Láctea, surgida 8 bilhões de anos após o nascimento do mundo, e que, com suas vizinhas, parece atraída para uma enorme massa invisível chamada “Grande Atrator”. Eis-nos na órbita de um súdito menor no império da Via Láctea, surgido 13 bilhões de anos após o nascimento do mundo, 5 bilhões de anos após a formação da Via Láctea. Eis-nos num pequeno planeta nascido a 4 bilhões de anos.

Tudo isso é hoje conhecido. Há pouco tempo certamente, e, embora amplamente difundido pelos livros, a imprensa e as exposições televisuais de Hawkins e Reeves, o novo cosmos não penetrou nossos espíritos, que vivem ainda no centro do mundo, numa (45/46) Terra estática e sob um Sol eterno. O novo cosmos não suscitou nem curiosidade, nem espanto, nem reflexão entre os filósofos profissionais, inclusive os que tratam doutamente do mundo. É que hoje nossa filosofia esterilizou o espanto do qual ela nasceu. É que nossa educação nos ensinou a separar, compartimentar, isolar, e não a ligar os conhecimentos, e portanto nos faz conceber nossa humanidade de forma insular, fora do cosmos que nos cerca e da matéria física com que somos constituídos.

Assim, sabemos sem querer saber que nos originamos deste mundo. Que todas as nossas partículas foram formadas há 15 bilhões de anos, que nossos átomos de carbono se constituíram num sol anterior a nosso, que nossas moléculas nasceram na Terra e talvez tenham aqui chegado às vezes por meteoritos. Sabemos sem querer saber que somos filhos desse cosmos, que carrega em si nosso nascimento, nosso devir, nossa morte.

É por isso que não sabemos ainda nos situar dentro dele, ligar nossas interrogações sobre este mundo e as interrogações sobre nós mesmos. Ainda não somos instigados a refletir sobre nosso destino físico e terrestre. Ainda não tiramos as conseqüências da situação marginal, periférica de nosso planeta perdido e de nossa situação nesse planeta.

No entanto, é no cosmos que devemos situar nosso planeta e nosso destino, nossas meditações, nossas idéias, nossas aspirações, nossos temores, nossas vontades (46).
Edgar Morin e Anne Brigitte Kern, Terra-Pátria. 5 ed. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 44-46).

4. De todo modo, devem admiti-lo os enlutados, é uma honra morrer pela espada, digo, pena de Edgar Morin... Meus pêsames... Mas já vai tarde...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

3 comentários:

Robson Guerra disse...

É, Osvaldo... Já vai tarde mesmo.

Mas já falaram pra ela (a hermenêutica não-fundacional) que já morreu, que Morin a matou?

Provavelmente ficará por aí como aqueles espíritos mal desencarnados que perambulam sem saber que morreram (hehehe). Eu falei mal desencarnados? Mas como se não tem carne? hehehehe

Pois, então... Morin é cruel. não deu a mínima chance. Bem feito. Que Vattimo e companhia engulam essa. Provavelmente vão dar de ombros. Morin sequer existe pra eles. È como se fizessem um acordo linguístico e, pronto, Morin não existe. Mas a matéria está aí. Somos feitos dela e pronto.

Que se exorcize essa alma penada da hermenêutica não-sei-lá-o-quê.

Robson Guerra

Robson Guerra disse...

Oi Osvaldo. Eu de novo.

Relacionado ao que O Morin fala, no site da Unesco tem um vídeo sobre o Ano da Astronomia. Sim, 2009 é o ano oficial da Astronomia. No vídeo o apresentador fala que diferentemente da antiquada concepção de mundo que dicotomiza terra e céu, hoje já se sabe pelos avanços da pesquisa que estamos no céu e que o céu está em nós.

Estamos no céu, pois a terra vaga pelo céu, pelo espaço, errante. Sim, como habitantes desse planeta já estamos no céu.

O céu está em nós, pois todas as partículas de que somos feitos vieram do espaço.

Legal, não é? Somos, então, como que astronautas sem saber.

E que a hermenêutica imaterial caia num desses buracos-negros e suma...

Robson Guerra

Peroratio disse...

Olá, Robson...
Vou procurar esse vídeo e o linkar para cá. Vai ser legal tê-lo aqui...

Um abraço, e obrigado pela visita

Osvaldo

PS. Robson, temo que às vezes sejamos exorbitantes na crueldade da crítica... Temo. A drª Esperandio disse-me que se trata de uma impaciência... É. Mas paciência é coisa que a gente deve ter com crianças e velhos, pessoas simples e iletradas, gente que está aprendendo... Mas esses amantes da fantasmática e mal-assombrada epistemologia não-fundacional, Deus do céu, é tudo de diploma... Aí dá nos nervos...

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