Qual o resultado "fenomenológico" do acesso investigativo às máfias, ao crime organizado, às milícias? O pesquisador encontrará um ethos, encontrará uma cosmovisão, encontrará uma legislação, encontrará uma hierarquia, encontrará "sagrado", encontrará um mundo à parte que, a despeito de não ser aceito pelo mundo dentro do qual ele opera, funciona como um mundo à parte, driblando-o, enquanto bem sucedido (seja por que meios) a vigilância e as tentativas de bloqueio do mundo externo.
O que faz o pesquisador com isso? Não é óbvio que, a despeito de esse mundo funcionar a partir de seus valores internos, ele só pode ser pensado no contexto do mundo dentro do qual ele opera? Deixa de ser crime, quando entrevistamos o criminoso "fenomenologicamente"? Quando ele diz que apenas está operando o seu direito de homem, que a sua força lhe dá o poder e o direito de tomar o que for de quem quer que seja, e que só não o faz livremente por conta da coação de sua liberdade imposta desde os poderes constituídos, isso faz dessa atividade outra coisa que não roubo e crime e bandidagem? A leitura que o criminoso pode fazer e de fato faz de si substitui a leitura a que ele está submetido pela sociedade que o constitui como bandido?
A despeito da dissonância objetiva, que sentido faz, senhores, eu entrevistar o religioso sobre a religião e isso, apenas isso, a resposta do religioso, ser o resultado da pesquisa sobre religião? Não, infinitamente, não. Não posso considerar matéria de Ensino Religioso "apenas" o resultado de entrevistas "fenomenológicas" feitas com religiosos. Isso sequer seria acúmulo de "dados".
É preciso a comparação crítica de todos esses testemunhos, a análise heurística dessas entrevistas a partir das informações que temos sobre o ser humano, a cultura, a sociedade, a política, as instituições, o homem, a mulher, o poder, informações recolhidas criticamente em décadas de pesquisa científico-humanística.
Não posso considerar que a pesquisa da religião seja como a audição de testemunhos. Precisa ser muito, muito mais do que isso. As "entrevistas" precisam ser apenas uma parte do conjunto de elementos a serem considerados: e tudo precisa estar a serviço da compreensão conjunta dos fenômenos plurais que chamamos de religião. Caso contrário, tratar-se ia de lista de experiências, mas em nenhuma circunstância, compreensão do fenômeno religioso.
Não se trata de ser essencialista. Trata-se de afirmar que não se pode fugir do tratamento da religião como sistema, curvando-se apenas sobre atualizações histórico-geográficas de um "tipo" que me recuso a definir e sistematizar, ao risco de não poder, honestamente, justificar por que trato esse fenômeno aqui e agora como religião. E pensar religião como "tipo" é subsumi-la ao sistema humano como um todo, conscientes que estamos do que significa ser humano.
Para ser exato: jamais deixar de tratar como mito o que é mito simplesmente porque o religioso o trata como verdade. O aluno de ER deve saber que é verdade apenas para ele, religioso, mas não verdade em si e muito menos verdade científico-humanista. Sem essa ressalva crítica o ER será apenas catequese sutil, legitimação, ainda que não de doutrinas, da doutrina fundamental da religião: o sagrado está aqui.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Nenhum comentário:
Postar um comentário