quarta-feira, 31 de julho de 2013

(2013/780) Judeu-cristianismo como mitologia jurídica


Os séculos XVIII e XIX foram séculos de disputa entre duas plataformas político-civilizatórias - a revolução emancipatória da sociedade e a reação conservadora dos poderes tradicionais. O Cristianismo esteve no centro da luta...

Depois de séculos de um Cristianismo reacionário, aliado ao poder, à nobreza, às elites, dadas as transformações decorrentes do Protestantismo, a pouco e pouco o Cristianismo passou a ser empregado retoricamente como instrumento de emancipação - desde a Inglaterra do século XVII até as Luzes posteriores...

E, então, o Cristianismo viu-se confrontado pela intelligentsia que, até então, via na religião cristã o modus operandi da manutenção do controle social - Voltaire, por exemplo, dizia que o homem culto podia ser ateu, mas o político, o homem de Estado, devia pregar a existência de um Deus que pune o pecado. Voltaire ainda achava que a humanidade média, a massa, é estúpida demais para pensar, e devia ser tratada, sempre, como criança, sendo controlada também pela retórica de Deus...

Mas o Cristianismo acabou capturado pelas forças revolucionárias - o marxismo, a despeito da crítica à religião, é fruto direto do profetismo bíblico-judaico: vive nele o pathos do Yahweh da justiça e dos pobres... Li em algum lugar que a primeira monografia de Marx foi sobre a divindade de Jesus Cristo...

O que a intelligentsia fez? Foi buscar no Oriente outra plataforma religiosa que enfrentasse, no campo retórico, um Cristianismo revolucionário. O Budismo e o Hinduísmo entraram no jogo. O Budismo, esse sim, uma religião niilista, trágica, sem alternativas, sem saídas, sem escatologia - rendição, desapego, anulação, desintegração: nada de se querer ser feliz - vida é apego, logo, é dor e sofrimento! Do Hinduísmo, a declaração categórica de que as massas são chandala, ralé, meio gente, meio não-gente...

A luta permanece até hoje. Muita reflexão que se diz basear-se no Judaísmo e no Cristianismo, na verdade é Budismo cristianizado, e há muito Cristianismo que é Hinduísmo de Jesus. Para a doutrina cristã, o sofrimento é fruto do pecado humano e pronto: não há, aí, mistério de sofrer ou perplexidade - são favas contadas: o homem é mau, Deus é juiz e todos serão julgados culpados - sem exceção. Não há tragédia de fato: há crime e castigo...

A verdadeira visão negativa da vida, enquanto expressão dela mesma, sem mitos jurídicos, é o Budismo: a vida é ilusão - desapegue-se, morra e cancele a eterna cadeia de sansaras... Já o judeu-cristianismo é mitologia jurídica.





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio