A religião parece lutar contra tudo que é natural - não devo ter crédito algum quanto a isso: o pensamento é do aristocrata Nietzsche - e ele está certo.
No caso da morte. A religião trata a morte como se fosse uma inimiga - Paulo, o iluminado, pai das revelações e amaldiçoador de quem prega qualquer coisa diferente dele, dizia que a morte é o inimigo, o último...
Mas ele está errado.
Totalmente.
A morte é outro nome para a vida.
Sem mitos, sem poder desviar dela.
Morte e vida. Morte é vida.
Não, não amanhã, no céu, nos quintos dos infernos: morte é vida aqui e agora.
Sem matar, não se vive.
Seja alface, seja boi, você mata.
Se não mata, não vive.
Morre.
A vida vive de morte.
Com Heráclito: morrer de vida, viver de morte.
Outras vidas que vivem de morte sobrevivem de comer você - vivo: aqui, agora, nesse minuto, em que trilhões de bactérias me devoram. Minha própria vida depende de trilhões de bactérias que, vivendo em mim, digerem o que eu mato e me dão, em troca, comida mastigada - minhas tripas são uma usina...
Vou morrendo aos poucos - pele, ossos, cabelos, músculos, sangue: e me reconstruindo com as coisas que matei e comi. Se não as mato e como, meu corpo pende para a morte e chego ao destino que a Natureza me preparou...
Não posso encarar isso como inimigo: isso é o próprio processo.
E lutar contra isso se faz também por força de que, matando e comendo, produzimos substâncias que nos mantêm querendo lutar e viver: sem matar e comer, não terei energia para lutar e viver - também a morte me mantém vivo...
E, finalmente, quando eu tiver chegado ao dia em que não consigo mais equilibrar o jogo de vida e morte, entrarei na longa fila dos elementos que, devorados por terceiros, engendram vida.
Não serei mais eu - pedaços de mim, apenas. Que, todavia, ontem, ano passado, em 1.500, ao lado de Lucy, pertenceram a outros e a outras... coisas.
Se a religião não puder entender isso, não me serve a religião...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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