domingo, 17 de março de 2013

(2013/265) Jean Wyllys no "Sem Censura" - reflexões sobre um conflito psico-religioso

1. Abaixo, vídeo inteiro do programa Sem Censura, durante o qual o Deputado Jean Wyllys faz declarações a respeito de homofobia. Uma seção editada do programa começa a circular na Internet - obviamente, para enfraquecer a luta contra o preconceito de gênero. Não vou publicar o vídeo editado, nem indicar um link, porque se trata de um trabalho rasteiro. O eventualmente interessado percorra o vídeo e ouça, por si mesmo, o que Jean Wyllys diz. O programa é de 2012.



2. O que o Deputado Jean Wyllys diz e o que eu penso a respeito, em frontal oposição ao teor do vídeo editado?

a) a homofobia afeta a sociedade inteira - concordo: ofende-me. Não me refiro apenas aos 300 homossexuais mortos em 2011, vítimas de ataques homofóbicos, mas à violência simbólica generalizada, traduzida na linguagem religiosa, nos púlpitos e no preconceito. Ofende-me como cidadão.

b) a violência física não cai do céu, ela é construída também por meio da violência simbólica, auxiliada proficuamente pelo discurso religioso por parte de pastores fundamentalistas, que têm sangue nas mãos. Quando Jean diz isso, imediatamente ressalva que não se trata generalizadamente do Cristianismo nem mesmo de cristãos, mas de uma parcela fundamentalista e criminosa. O vídeo editado, naturalmente, não menciona isso: corta a fala do deputado - o que não me causa nenhuma surpresa. Além de homofóbico, há crente que costuma ser mentiroso - e uma coisa está (quase?) sempre relacionada à outra.

Pois bem, concordo em número e grau. O discurso religioso cristão - eu generalizo - é (um) responsável direto pela violência simbólica disseminada pela sociedade. Os pastores fundamentalistas homofobicamente motivados, aqui eu particularizo, contribuem significativamente para o incremento do preconceito, dessa vez fundamentando-o no próprio Deus, como, ontem, por exemplo, os batistas fundamentavam em Deus a escravidão.

No vídeo editado, o editor escreve: "então a Bíblia está errada?" e, hipocritamente, transcreve um verso do Antigo Testamento. Hipocritamente, eu digo e repito, porque o editor não segue a Bíblia, quando lhe convém, não vende tudo o que tem e dá aos pobres, porque não lhe convém, não deixa de pagar juros, porque lhe convém, não apedreja filhos rebeldes, porque lhe convém, mas usa, contra os outros, versos bíblicos: um senhor hipócrita, de carteirinha...

c) a violência homofóbica recrudesce significativamente após a década de 80, coincidindo com o avanço religioso-fundamentalista. Perfeito. Ele ainda pontua o clima de aceitação da "androginia" nos anos anteriores - Ney Mato Grosso, os Novos Baianos, a Tropicália. É fato - à medida em que a religião fundamentalista avança, a violência homofóbica aumenta proporcionalmente, agravada, então, pela reação por parte das comunidades homoafetivas. O evangélico é uma peça passiva-ativa nessa violência.

d) "saídas" para a homofobia: a) educação institucional/governamental contra o orgulho homofóbico - efeito de médio e longo prazo; b) criminalização da homofobia e c) garantir o direito ao casamento civil igualitário. Concordo com os três pontos. Para mim, casais gays devem ter os mesmos direitos - todos! - que os casais héteros.

3. Bem, agora uma declaração problemática de Jean Wyllys. Aos 37:20 minutos do vídeo, ele é perguntado sobre como os parlamentares lidam com as questões relacionadas à postulações legislativas tão complicadas para a elegibilidade. O Deputado, então, responde que ele não tem medo de pôr as mãos no imbróglio, ao contrário dos demais deputados, ele insiste, porque não tem medo de não ser reeleito. Nesse momento, vem a declaração problemática: "foram os orixás que me elegeram".

4. Antes de eu tratar do problema de fundo dessa declaração, deixem-me situá-la. Talvez até porque se tenha dado conta da declaração complicada que acabou de dar, Jean explica que foi eleito pelo contingente de votos da legenda. Ele teve uma votação expressiva, alega, mas elegeu-se, mesmo, pelo número de votos de Chico Alencar, também do PSOL. Ou seja, ele não foi eleito diretamente - mas indiretamente. Esse fato, ele interpreta religiosamente como tendo sido um presente dos orixás.

5. Trata-se, todavia, de uma declaração que não devia ter feito. Muito provavelmente, foi um lapso. Ela conspira contra a postura laica de um representante popular de um Estado Democrático de Direito, uma República não-religiosa. Se um Deputado evangélico diz que Jesus o colocou lá, uma declaração assim soa como manipulação da fé, como legitimação teológica de um mandato sócio-político. Trata-se de uma retórica que deveria ser abolida. Todavia, na prática, é assim que o sujeito religioso pensa o tempo todo - seja a bancada evangélica, seja Jean, adepto do candomblé.

6. Seja como for, o vídeo editado usa esse lapso com toda força contra por argumentos de Jean a respeito da condição laica do Estado e explicam que orixás são espíritos invocados na umbanda. Não, orixás não são espíritos, são alguma coisa entre divindades e forças naturais, como os kami japoneses. Não são "espíritos". Muito menos diabos.

7. Divulgo o vídeo completo e teço os presentes comentários como uma confrontação programática ao vídeo editado e rasteiro. Assista à entrevista de Jean e julgue por si mesmo.




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Anônimo disse...

Será que essa cegueira tem cura? Por que é pesada! Há tanta resistência dos evangélicos em defender a sua crença a despeito de qualquer coisa, que passam por cima de tudo e de todos e até mesmos dos seus próprios valores a fim de atingir seu objetivo. Os fins justificam os meios. Alguém já se questionou que tipo de aliança e acordos escusos foram utilizados para colocar o Marcos Feliciano nessa posição? ah! Quem colocou foi Deus o crente dirá, mas foi através de maracutaia e acordos de troca de interesse que certamente coerente, ética e correta não foi. Mas tudo se justifica em nome de Deus.

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