quarta-feira, 5 de setembro de 2012

(2012/667) Xintoísmo

1. Eu acho que, se: a) eu não tivesse adentrado até a próstata a tradição cristã e b) eu não tivesse me tornado aparentemente imprestável para ritos religiosos e encenações mágico-mitológicas - se eu não tivesse me tornado esse homem crítico e reflexivo que me tornei, acho que poderia bem ser xintoísta.

2. Modo de dizer, porque, o que estou querendo dizer mesmo é que o Xintoísmo é uma bela religião.

3. Se o Taoísmo pode ser resumido com "filosofia", se o Confucionismo pode ser resumido com "ética", essa religião extremo-oriental pode ser resumida com "mística". Tudo está grávido de kamis, deuses-almas, deuses-energias, pequenos deuses que habitam tudo e qualquer cOisa, cada pedra, cada planta, cada rio...

4. Eu tenho dúvidas se a mais bela expressão estética de qualquer religião do planeta são as obras de arte renascentistas ou se são os jardins-templos xintoístas. Uma vez que a Renascença não é bem nem exatamente "religião", e os motivos religiosos têm mais a ver com os mecenas do que com qualquer outra coisa, estou inclinado a assumir que a mais bela expressão estética de qualquer religião são esses jardins-templos...

5. Eles me lembram templos vazios... Já não os temos mais por aqui. Os templos evangélicos, quando não estão fechados e imprestáveis, estão cheios de gente, e gente em algazarra - não há silêncio, nunca... 

6. Sinto que as práticas cristãs tendem a fazer com que o sujeito não se olhe nunca - e cada vez menos: a ausência de silêncio leva a isso: uma fuga do olhar sobre si mesmo. O fato de que as liturgias reforcem ou o estado de pecado ou de encarceramento diabólico do crente não me parece uma refutação da tese: a repetição milenar de "ah!, eu sou pecador(a)" e de "ai!, eu tenho mil demônios" não se traduz em um olhar real sobre si mesmo, mas no velamento de si mesmo pela capa da retórica político-doutrinária - fazer de cada um uma cópia do "modelo" ideal do pecador-endemoninhado, o que cada crente é e deve ser, se quer ser amado por Deus... O homem se esconde de si mesmo sob os escombros da doutrina...

7. Naqueles jardins, todavia, impera o silêncio. E você, cada elemento do jardim lhe servindo como plataforma de embarque, faz uma viagem para dentro de você mesmo, introspectivamente, encontra-se com você mesmo, silenciosamente...

8. É tudo muito lindo, limpo, iluminado. Numa palavra: mágico...

9. Sim, eu acho que suportaria dez anos de Xintoísmo... Por que dez anos? Porque, depois de viajar por dez anos para dentro de mim mesmo, esse que eu sou encontraria uma forma de fazer outras viagens e, quem sabe?, o Xintoísmo se revelaria, para elas, tão imprestável quanto é o Cristianismo para o encontro do homem consigo mesmo... E, então, seria a hora de mudar de espaçonave...













OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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