sexta-feira, 11 de maio de 2012

(2012/435) Sobre "entregar-se" ao divino, sem querer "compreender"

1. Não vou aqui dizer que não tenha sua utilidade. Eventualmente, tem. Mas tem seu risco - e, cá entre nós, olhando pela janela, concluo que os riscos são muito maiores do que a utilidade...

2. Trata-se de um parágrafo final de um artigo. Fala-se de, a partir do "humano", encontrado em estado de desumanização, se chegar ao "divino" - não, minto: mais do que isso - chegar-se a "viver o divino". Não me interessa tanto o que isso significa ali. O texto continua, e esse é meu maior espanto: viver o divino em vez de apenas - esse apenas tem uma função mágica! - procurar aprisioná-lo na jaula da racionalidade...

3. Vejo que, se não me apresso na leitura, o divino pode (deve?) ser experimentado também fora da racionalidade, e há um caminho que leva até isso. Devo dizer que só o fato do apontamento do "divino" já me assusta...

4. Mas a insistência em denunciar seu aprisionamento na racionalidade é ainda mais embaraçoso para mim. Na racionalidade, o divino está preso... Aprisionado, é o que diz o texto. Deve-se, pois, viver o divino em seu estado de não aprisionamento, isto é, fora da racionalidade...

5. E o que é esse divino fora da racionalidade?

6. Estética?

7. Política?

8. É tudo e qualquer coisa que eu me dedique a fazer no campo do incondicionado - à moda tillichiana? É a arte? É a religião? É a metáfora?

9. Eu sinto o parágrafo como um Daime de papel. Você deve comer o papel enteógeno e pô-lo no ventre. Não deve pensar nele: deve deixar que, como tapete mágico, ele leve você até ali, até lá, até acolá, e você vai, você se deixa ir, você se entrega...

10. Quero ver é com que arrazoado se há de julgar, depois, a prática sagrada, o viver do divino...

11. Porque não duvido que a ética será usada, por trás do biombo mágico, para classificar as boas e as más vivências do divino...

12. Mas não se poderá confessar aí, é o problema, que, nesse caso, já se esta enfiado até a goela no mundo da racionalidade...

13. Se você admite um deus que bebe sangue e um culto que eventualmente deseje carne humana, então você não quer a racionalidade por perto: mas se você olhar com olhos de nojo para um deus que pise cabeças e sacerdotes e lambam carnes vivas, nesse caso, meu amigo, a racionalidade já tomou a sua alma - e não sabes... ou queres fazer de conta que não sabes...

14. Viver o divino e não apenas aprisioná-lo na racionalidade é a vivência burguesa do divino - a racionalidade média ocidental tomada como experiência "livre" do divino. É a eleição, sem votos, do modus operandi ocidental como a própria experiência do divino...

15. É, ainda, a pura "racionalidade" no controle - mas isso não se pode confessar...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio