Cherchez la Femme
2. Para o bem ou para o mal, todos os fenômenos da cultura humana passaram por um processo de auto-compreensão moderna e, conseqüentemente, transformaram-se.
3. É o caso da Educação, da Ciência, da Arte, da Técnica, dos Esportes - é o caso, até, da Guerra.
4. A Religião, todavia, permanece compreendendo-se a si mesma, qualquer que seja ela, da mesma forma como assim se autocompreendia há milênios.
5. "Quando a religião autocompreender-se com os olhos modernos, ela desaparece". É uma declaração presente em muita consciência "esclarecida". Eu já a ouvi de uma socióloga. Ela se dizia weberiana. Quando se viu forçada a admitir que, pensando que, se a religião se esclarecer, deixa de ser religião, no fundo ela, a socióloga, exprimia-se de forma inequivocamente marxista, interrompeu-se o diálogo.
6. Religião, para ser religião, tem que ser o que é: metafísica mitológica crida e encenada. É o equivalente acadêmico da afirmação de que Teologia, para ser Teologia, tem de ser o que é: metafísica mitológica crida e ensinada. Ambas, coisas presas nos céus, com cordas celestes, sustentadas por anjos e apenas aparentemente pousadas no mundo dos homens. Mas não! Flutuam, religião e teologia, sobre o chão humano, sem tocá-lo, todavia, nunca, puras...
7. O caso é mais grave para a Teologia - são acadêmicos! Mas as conseqüências são mais severas para o caso da religião - porque seu potencial de morte é não-desconsiderável... A interminável monografia teológica, perto da prédica pastoral, é algo risível!
8. São, quem diria?, ambos, teólogos e religiosos, marxistas. Os interesses que movem a uns e outros são vários - inconfessáveis, algumas vezes. Não importa. Negando ou não - o são: marxistas. Acreditam que se abrirem mão da self deception da condição divina da teologia e/ou da religião (até cientistas da religião já se pronunciaram por escrito sobre o plano divino a partir do qual a teologia "vê"!), elas, teologia e religião, desaparecem, puf!, como passe de mágica.
9. Bem, eu me diria um homem alguma coisa marxista - em termos filosóficos, epistemológicos, políticos, estou muito mais afinado com Marx do que com Agostinho, por exemplo!, ou Barth ou Moltmann ou Bultmann (para não citar os estadunidenses). Todavia, eu duvido, categoricamente, que a teologia e a religião desapareceriam se fossem honestas consigo mesmas e aplicassem a si os valores modernos que dão azo à civilização ocidental: os valores epistemológicos, éticos, filosóficos, heurísticos.
10. Nem a teologia nem a religião desapareceriam, quando e se admitissem que são humanas e que não têm nada de divino que possam, elas mesmos, assegurar, honestamente.
11. Não seriam a mesma coisa que antes, claro!
12. Óbvio! Por que a teologia é, hoje, a mesma coisa que era na época de Agostinho, se em seu currículo - por mais fundamentalista e retrógrado que seja - constam disciplinas como Antropologia, Sociologia, Filosofia, História, Psicologia?
13. Porque essas disciplinas não afetam a alma da teologia: são apenas instrumentalizadas pelas consciências teológicas cauterizadas para a racionalidade moderna. Ela, que quer que todos a ouçam, ela não ouve ninguém. Houvesse dois gramas de coerência, e todo teólogo sairia de qualquer curso de teologia um homem ou uma mulher modernos - com o que quero dizer conscientes de sua condição humana, histórica, cultural, política, econômica, social, a que estão inexoravelmente limitados.
14. Mas a teologia resiste. A religião, bem, essa sequer olhou para dentro das salas de aula.
15. E eu insistirei. Senhores investigadores, cherchez le clergé...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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