terça-feira, 12 de julho de 2011

(2011/421) PT x PSDB - Nassif x Jatavê - um debate sobre a política brasileira de imediatamente ontem e de imediatamente amanhã


1. Não - Peroratio não se tornará um blog "terceirizado". Peroratio é, sobretudo, ainda que não exclusivamente, um blog autoral. É para os blogueiros escreverem e, aqui e ali, indicar para leituras interessantes... Dá trabalho. Muito. Escrever demanda estado de alma. Quando se está cansado - e estou, depois de um semestre dos mais puxados nos últimos anos (só perde para 2010, quando cheguei a fazer 16 horas por dia de trabalho, por semanas a fio), o corpo quer distância do consumo calórico - quer sombra, quer água fresca...

2. Quero escrever, mas o corpo pediu descanso. Assim, aproveito para transcrever um debate interessante, entre Luis Nassif e Jotavê, do blog do Nassif. É sobre o PT e o PSDB, sobre os modelos de gestão que inventaram e estão tentando inventar, sobre mortos e sobreviventes, sobre a era FHC, a era Lula e a era Dilma. Recomendo. Independentemente de "partido".

3. São três momentos. Nassif fala. Jotavê reage. Nassif arremata. Boa leitura.


Ontem houve bela discussão no Blog sobre os rumos do PSDB. Primeiro, o artigo do Renato Janinepublicado em no Valor, sobre a perda do discurso, que suscitou comentários ricos e variados. Depois, o rebate de Jotavê, tentando definir novas bandeiras para o PSDB.

Em síntese, Jotavê propõe que o PSDB coloque em prática as bandeiras sociais-democratas assumidas pelos governos Lula e Dilma, mas sem o corporativismo que enxerga no PT. É muito pouco para definir um programa de partido.

O que propõe, em suma, é um partido social-democrata sem sindicatos, algo inédito.

Como muitos intelectuais de centro-esquerda, Jotavê é órfão de um PSDB que não aconteceu.

Antes de chegar ao poder, com FHC, o PSDB congregou um grupo de intelectuais, cientistas políticos, jornalistas, que tinham em comum a ideia vaga de uma social democracia inclusiva, com preocupações modernizadoras e sociais, fugindo tanto dos cânones da esquerda tradicional (PCB) quanto da militância exacerbada do PT que emergiu das lutas dos anos 80.

Esse PSDB foi sepultado quando a linha ideológica do partido passou a ser definida pelos financistas, os economistas que fizeram o Plano Real. É neles que FHC vai se basear para desenhar seu governo.

Jotavê supõe que os economistas estavam tão atarefados buscando a estabilização que não tiveram tempo de colocar em prática suas preocupações sociais.

Sinto desapontá-lo, mas essas temas nunca fizeram parte de suas preocupações. É só conferir o discurso atual da "Casa das Garças" e as manifestações esparsas dos principais formuladores do Real. São discursos de guerra, em favor do financismo mais desbragado.

Como detalhei em meu livro "Os Cabeças de Planilha", todo o desenho da remonetização do Real, com apreciação do câmbio - a decisão que criou uma dívida interna imobilizadora, provocou quebradeira generalizada na economia, aprofundou a cartelização do país - não foi um mero acidente, provocado por excesso de cuidados com a inflação. Foi uma estratégia política de tomada do poder através dos novos grupos financeiros que se instalavam.

A estratégia era clara. Supunha que o PT tivesse o domínio da máquina pública. O PSDB passaria a controlar o mercado, através de aliados criados no processo de privatização e nas jogadas de política monetária e de manipulação da dívida externa.

Não se trata de novidade mundial. Historicamente, sempre aconteceu esse conflito Estado x Mercado. O controle do Estado é provisório - a não ser em regimes ditatoriais. Já o controle do mercado é permanente.

A possibilidade de controlar a política através de novos grupos econômico-financeiros já havia sido colocada em prática pelo Visconde de Ouro Preto, último Ministro da Fazenda da Monarquia, e por Rui Barbosa, primeiro Ministro da Fazenda da República.

Um dos grandes especialistas no Encilhamento (o desastre econômico produzido pela estratégia de Rui Barbosa) foi justamente Gustavo Franco, o principal e mais brilhante ideólogo do Real. E a lógica do Real obedeceu a essa estratégia política, ainda que à custa de sacrificar 12 anos de crescimento brasileiro.

A face mais ostensiva desse pacto é Daniel Dantas.

A paternidade das políticas sociais

O "se" é perigoso na análise histórica. Mas se algum "se" pudesse ter mudado a trajetória antissocial do PSDB, teria sido Covas, não fosse sua morte prematura, jamais os financistas do Real - muito mais empenhados em um jogo de poder e de enriquecimento pessoal.

Ao longo dos dois governos de FHC, o PSDB perdeu totalmente as características socialdemocratas. Não entendeu os novos tempos, manteve-se fechado a qualquer demanda da sociedade civil, que aflorava após a redemocratização.

Foram ensaiadas algumas políticas sociais, especialmente sob dona Ruth, sem jamais terem sido prioridade ou ganhado escala. É ridículo ouvir Serra todo dia querendo se apossar da paternidade de políticas sociais, porque a ideia A ou B foi anterior ao Bolsa Família. Ora, em seu governo Sarney instituiu o Vale-Leite. Depois, houve o Vale Gás e outras formas de políticas assistenciais. O grande feito foi justamente o da massificação das políticas sociais, o fato de terem sido colocadas no centro das políticas públicas.

E esse bonde o PSDB perdeu. Assim como qualquer sensibilidade para governos participativos ou de cunho social.

Como governador de São Paulo, tendo todo o aparato midiático para divulgar cada espirro, qual a política social inovadora implementada por Serra, qual o fórum de debates que abriu para ouvir a sociedade civil, trabalhadores, empresários, organizações sociais? Nenhum. Por que não massificou as ideias de dona Ruth e outras surgidas nos anos 90? Porque ter ideias, até eu tenho. O feito político que conta é colocá-las em prática.

Ora, um partido é um conjunto de princípios mas que, para consolidar-se, dependem fundamentalmente de resultados práticos que constituem a sua história. Como passar uma borracha nas políticas de FHC, da inação de Serra governador de São Paulo?

A privatização como fim

Outras das bandeiras iniciais do PSDB, a ideia de que a privatização seria apenas uma etapa de uma estratégia de tornar o país mais competitivo, foi por água abaixo. A ideia de que seria possível compatibilizar pragmaticamente empresas privadas, empresas públicas atuando em ambiente de mercado, foi completamente abandonada no Brasil de FHC e em São Paulo de Serra e Alckmin.

É o que explica o fato de ter transformado a maior empresa de energia do país - a CESP - em um morto-vivo para ser privatizado, depois de seu valor ter praticamente virado pó. Ou vender a CTEEP (Companhia de Transmissão de Energia Elétrica), empresa que seria essencial para integrar a geração de energia do bagaço das usinas paulistas. Ou vender a Nossa Caixa e, depois, criar uma agência de desenvolvimento para emprestar dinheiro - maluquice que só poderia caber na cabeça atrapalhada do neo-Serra.

Nada garante que o governo Dilma dará certo. Mas é evidente que a tomada do poder não pode depender exclusivamente dos erros dos adversários.

Sendo assim, que espaço restará ao PSDB? O de ser um PT sem sindicato? Claro que não. A bandeira social-democrata é dos governos Lula e Dilma e não haverá como arrancar de lá.

O combate ao aparelhamento do Estado poderia ser uma bandeira eficiente. Mas só enquanto se conseguir manter a blindagem sobre o aparelhamento de São Paulo. Recentemente o Estadão se permitiu uma matéria sobre o desmanche da TV Cultura onde se mancionavam salários altos pagos a funcionáriosn da Secretaria da Cultura, de Andrea Matarazzo. Não houve uma suite sequer para levantar o nome dos beneficiados.

Aliás, Jotavê, que é um crítico corajoso do corporativismo universitário, deveria circular por outras bandas do governo paulista, para ter uma ideia pálida do que é aparelhamento.

Partindo-se do pressuposto que o próprio avanço da Internet derrubará gradativamente todas as blindagens, não é por aí que o PSDB conseguirá sua legitimização.

O novo quadro político

As bandeiras disponíveis estão em campos jamais trilhados pelo partido. Talvez na defesa da desburocratização e do empreendedorismo - bandeira de Guilherme Afif Domingos. Mas é uma bandeira que só daqui a alguns anos baterá fundo no coração da atual geração de incluídos por programas sociais.

Há a bandeira da gestão, eficazmente utilizada em Minas Gerais, Pernambuco e Espírito Santo. Mas, se o governo Dilma não se perder no campo político, o modelo apresentado no primeiro mês de governo será imbatível.

De qualquer modo, tudo indica que se esgotou o modelo político pós-redemocratização, no qual PT e PSDB assumiram o protagonismo, sendo apoiados por partidos ônibus, como PFL-DEM e PMDB.

A nova oposição definitivamente não sairá do PSDB, já que esgotou o tempo político para tentar reescrever sua história.

Ainda não se sabe o quadro que virá pela frente. Certamente já começou a ser moldado agora. Mas só daqui a algum tempo se terá clareza sobre esse novo desenho.


Réplica do Jotavê

Talvez o PSDB não sobreviva à crise pela qual está passando após a derrota de Jose Serra. "Coisas futuras", como dizia a vidente do Morro do Castelo. O lugar de um partido social-democrata moderno, desvinculado do corporativismo do funcionalismo público, capaz de avançar na desburocratização do país e investir na infraestrutura sem descuidar da distribuição de renda - esse lugar ainda não é do PT. Está vago, à espera de ocupação.

Nassif diz que não existe social-democracia desvinculada de sindicalismo. Foi assim na Europa na primeira metade do século XX. Será assim no Brasil do século XXI? Duvido muito. O que é o sindicalismo hoje, Nasif? Se não é nada, é quase nada. Não precisa nem comparar o Brasil de hoje com a Europa de ontem. Compare-o com o Brasil do final da década de 70. O movimento sindical era um dado básico da equação. Quem o leva em conta, hoje? Qual foi a última vez que você se viu levado a escrever alguma coisa sobre o que acontece dentro dos sindicatos?

O PSDB se perdeu, não tenho dúvidas quanto a isso. Perdeu-se, em primeiro lugar, nesse surto interminável de José Serra. e seu projeto pessoal de poder. Serra não tinha o direito de fazer o que fez no final da campanha, arrastando na lama de um discurso preconceituoso e retrógrado a tradição de um partido que jamais se comprometeu com aquele tipo de bobagem. O discurso preconceituoso que ele, se não articula, pelo menos encampa contra o PT é de um primarismo que eu jamais havia visto.

Por outro lado - e esse é o grande paradoxo - José Serra é quem veiculava o discurso mais entusiasmante nessa eleição. Se ia ou não cumpri-lo, e que tipo de coisas se passam no inconsciente dele, é assunto que deixo para psicanalistas. Como questão de fato, ele era o único candidato a vocalizar sem meias palavras a crítica que você, Nassif, faz e sempre fez ao modelo econômico implementado no segundo governo de Fernando Henrique. É ele quem acenava com o perigo da desindustrialização. É ele quem prometia intervir no câmbio. Você ouviu alguma declaração nesse sentido da candidata Dilma Rousseff? Cite uma única ação do presidente Lula nesse sentido. O vice-presidente José de Alencar folclorizou-se gritando contra a política do Banco Central.

Qual é o nó da questão? Investimos muito pouco. O governo investe por volta de 1% do PIB. Não ouvi até hoje nenhum economista me dizendo que isso é suficiente. Todos falam que é preciso dobrar ou triplicar essa taxa de investimento, se quisermos ter uma infraestrutura que sustente o crescimento do país nos próximos dez anos. O problema, Nassif, é sabe o seguinte: de onde sai o dinheiro?

A arrecadação bateu no teto. Ninguém é louco de pedir cortes na educação e na saúde. Os intelectuais da Casa das Garças (um grupo respeitabilíssimo, que tem produzido alguns dos textos mais interessantes de interpretação do Brasil nos últimos anos) têm a receita liberal: diminuir impostos, aumentando a poupança da iniciativa privada, e fazer uma reforma da previdência social que libere dinheiro para investimento público.

E o PT? De onde propõe tirar o dinheiro? Qual é o plano do PT para passarmos a investir 3% do PIB daqui a dois anos, digamos assim? Você conhece? Então, me conte. Eu desconheço.

Qual é o grande nó no discurso petista? Eles não conseguem romper com o corporativismo (e isso os impede de mexer nos privilégios do funcionalismo público, que drenam uma quantidade enorme de recursos), nem conseguem arranjar coragem para encampar um discurso de ruptura com a lógica econômica do governo Fernando Henrique (com a qual Serra, desde que era ministro, sempre combateu). É contraditório? Não é culpa minha. Quando eu cheguei, o mundo já estava assim.

Eu posso ter me perdido em devaneios a respeito de um partido que não existe mais. Você, porém, se perde em devaneios a respeito de um partido que nunca existiu. O PT no poder fez exatamente o CONTRÁRIO de tudo que você pregou a sua vida toda em matéria de política econômica. A menos que você sinta qualquer vestígio de identidade intelectual com Henrique Meirelles, você deveria sentir-se tão órfão de um projeto efetivo de poder quanto eu me sinto. Talvez esse projeto passe a existir agora, com Dilma Rousseff. Você acredita nisso. Ou torce por isso. Muito bem. É uma promessa. Mas só uma promessa. Nada além disso.


Tréplica do Nassif

Primeiro, não me considero petista. Meu artigo é uma análise sobre o PT ter ocupado o espaço de centro-esquerda, desalojando o PSDB. Em nenhum momento escrevi que é o desenho de partido ideal. É o que temos, com suas virtudes (base social ampla) e defeitos (falta de homogeneidade, indo do pensamento centro-esquerda à esquerda radical).

Não existe UM partido, UM governo que possa receber um julgamento único pelo conjunto da obra. FHC tinha Malan e Gustavo, mas teve um José Serra Ministro da Saúde (antes de se tornar esse estorvo), Ronaldo Sardenberg no MCT, tinha Dona Ruth e seus trabalhos na área social, teve o breve período de Bresser-Pereira. Mas o que prevaleceu foi o financismo desvariado, o corte linear de verbas orçamentários, a falta de planejamento - apesar das tentativas de José Paulo Silveira.

Do mesmo modo, o governo Lula teve Palocci e Meirelles - a quem nunca parei de criticar. Mas teve Dilma nas Minas e Energia (tentando consertar os estragos do modelo FHC), Haddad na Educação, Sérgio Rezende no MCT, Furlan no MDIC e alguns outros.

Você reduz toda política econômica à questão de juros e câmbio. Tenho sido aqui crítico sistemático dessa loucura cambial criada por FHC, mantida por Lula e preservada por Dilma. Em nenhum momento mudei de opinião ou minimizei o problema.

Durante toda a campanha você manifestou entusiasmo pela candidatura Serra porque julgava que ele mudaria o regime cambial brasileiro. Era a única régua com que você media ambos os candidatos. Veja bem: a presidência é um desafio de ordem política, demanda definições programáticas amplas e complexas, capacidade de articular forças, compromissos com bandeiras, com gestão. E sua métrica exclusiva era a política cambial. É reducionismo demais. Não estávamos falando de candidatos a Ministro da Fazenda, mas à Presidência da República.

Mas reduzir toda uma ação de governo à política monetária é um reducionismo que ajuda nos argumentos mas não ajuda na compreensão do governo nem a entender as mudanças pelas quais o país passa.

Lula implementou políticas de inclusão inéditas. O PAC significou uma ruptura com o modelo de controle orçamentário pelo Tesouro. O Bolsa Família, Luz Para Todos, Pronaf e outros programas trouxeram uma abordagem inédita para as políticas sociais, assim como o trabalho de Haddad. Nesse início de governo, Dilma apresentou um upgrade de primeira no modelo de gestão.

Continuo achando que as políticas monetária e cambial são o calcanhar de Aquiles do governo Dilma, colocando a economia em alto risco. Inclusive o risco de liquidar prematuramente com seu governo.

Mas não se iluda. No poder, Serra jamais mexeria no câmbio. Se o discurso desenvolvimentista dele fosse minimamente além das conversas reservadas, teria atuado de maneira firme no governo de São Paulo, quando sobreveio a crise de 2008. Na crise, aumentou impostos, não recebeu nem industriais nem sindicalistas, não foi capaz sequer de mobilizar o estado contra o estado de espírito reinante - postura que consagrou definitivamente Lula.




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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