sexta-feira, 3 de junho de 2011

(2011/326) ONU critica "imposição" de ensino religioso em escolas públicas brasileiras - considerações


1. O Estadão divulgou matéria a respeito de críticas que a ONU teria feito e, parece, fará, ao Brasil pelo fato de, em escolas públicas de diversos Estados brasileiros, o Ensino Religioso ser, na prática, uma imposição. Vamos à "matéria":

ONU critica imposição de ensino religioso em escolas públicas

Além de desrespeito à laicidade do Estado brasileiro, relatora denuncia 'intolerância e racismo'

28 de maio de 2011

Jamil Chade - O Estado de S.Paulo

Centenas de escolas públicas em pelo menos 11 Estados do Brasil não seguem os preceitos do caráter laico do Estado e impõem o ensino religioso, alerta a Organização das Nações Unidas. Em relatório a ser apresentado na semana que vem ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, a situação do Brasil é criticada.

O documento foi preparado pela relatora da ONU para o direito à cultura, Farida Shaheed, que também alerta que intolerância religiosa e racismo "persistem" na sociedade brasileira. A relatora apela por uma posição mais forte por parte do governo para frear ataques realizados por "seguidores de religiões pentecostais" contra praticantes de religiões afro-brasileiras no País. Uma das maiores preocupações é o com o ensino religioso, assunto que pôs Vaticano e governo em descompasso diplomático.

Os Estados citados por Farida, que visitou o País no final do ano passado, são Alagoas, Amapá, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

A relatora diz ter recolhido pedidos para que o material usado em aulas de religião nas escolas públicas seja submetido a uma revisão por especialistas, como no caso de outros materiais de ensino. Além disso, "recursos de um Estado laico não devem ser usados para comprar livros religiosos para escolas", esclarece.

Para Farida, "deixar o conteúdo de cursos religiosos ser determinado pelo sistema de crença pessoal de professores ou administradores de escolas, usar o ensino religioso como proselitismo, ensino religioso compulsório e excluir religiões de origem africana do curriculum foram relatados como principais preocupações que impedem a implementação efetiva do que é previsto na Constituição".

Legislação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação diz que o ensino religioso deve ser oferecido em todas as escolas públicas de ensino fundamental, mas a matrícula é facultativa. A definição do conteúdo é feita pelos Estado e municípios, mas a legislação afirma que o conteúdo deve assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa e proíbe qualquer forma de proselitismo.

"Em tese, deveria haver um professor capaz de representar todas as religiões. Mas, como sabemos, é impossível", explica Roseli Fischmann, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). "Além disso, a aula não é tratada efetivamente como facultativa. O arranjo é feito de tal forma que o aluno é obrigado a assistir."

Roseli explica que o modelo brasileiro é pouco usual nos países em que há total separação entre Estado e religião. "Até Portugal, que no regime de Salazar tornou obrigatório o ensino religioso, aboliu as aulas. Educação religiosa deve ser restrita aos colégios confessionais. Lá, o pai matricula consciente." / COLABOROU OCIMARA BALMANT


2. Temos um grande abacaxi na mão, e não estou certo de que saberemos descascá-lo. Inserido em ambientes que lidam diretamente com a docência do ensino religioso, observo futuros docentes que desconhecem completamente as questões relacionadas ao caráter de laicidade do Estado. Naturalmente que, nos cursos de formação, tomam conhecimento dessas questões fundamentais, mas isso traz à tona o fato de que as salas de aula de ensino religioso estão abarrotadas de professores que não apenas desconhecem as regras fundamentais da laicidade republicana, mas, via de regra, têm do "ensino religioso" uma percepção "ministerial": é missão que fazem. É o Estado que lhes paga, mas estão "a serviço de Deus".

3. Enquanto sociedade, temos uma deficiência grave na formação de cidadania. O pathos evangélico - "todos têm de tornar-se evangélicos" (o que vale igualmente para os católicos, porque, a rigor, trata-se de uma neurose religiosa monoteísta de fundo, e cristã de fato) - expressa-se na autocompreensão do professor de "ensino religioso" como educador de Deus: as religiões dos outros, se não-cristãos, somente pela força da Lei são "toleradas". Já nas próprias igrejas nada há de mais anacrônico em relação à sociedade. Nas escolas públicas, então - que dizer?

4. É preciso um mapeamento rigoroso da situação. Ouvem-se casos no Rio de Janeiro sobre "combinados" cristãos, com intenção de vetarem o acesso de outras representações religiosas ao ensino religioso: "Deus nos livre um macumbeiro a ensinar religião a nossos filhos!" - mas, eles, os dos outros, tudo bem... É denúncia grave, mas antiga, que circula desde a época em que Garotinho trabalhava por essa "missão". Em Recife, os problemas não são diferentes e, parece, nem em Minas, a julgar pela matéria "Antes da Aula, o Pai Nosso", de Todos Pela Educação: cultos "ecumênicos", imagens de santas, crucifixos, orações...

5. Penso que o problema é mais grave do que se imagina. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) faz constar o seguinte:
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso

6. Ora, pensemos por um minuto: os centros de formação teológica ligados ao MEC lutaram com todas as forças para manterem a confissão nas salas de aula do Estado! Anote, leitor: as Faculdades de Teologia podem - no Estado - ensinar, como se ciência fosse, "Teologia confessional", cada qual concentrando-se em sua tradição e só em sua tradição. Assumem, assim, aquele caráter de escolas privadas, a ensinarem a religião que lhes interessa - e só essa (quando ensinam as demais, é na condição de "seitas e heresias"). A despeito dos "eixos epistemológicos", na prática, encontra-se apenas o "eixo teológico", porque não se encontra resultado, na Teologia, da aplicação das Ciências Humanas nela. Nenhum.

7. Aí, pergunto: se os centros de formação foram pensados e autorizados como centros confessionais dentro do Estado, como pretender - em que mundo? - que esse mesmo Estado se ressinta de "proselitismo" nas escolas? Os professores de religião não se formaram confessionalmente? O que ele pensa que se faz nos cursos de Teologia? Talvez se trate de uma forma mais sofisticada, mais sutil, mas dissimulada, mas, meus amigos, trata-se do velho proselitismo - um proselitismo "culto" (quando isso!), mas é proselitismo. Guerra de deuses, eu lhes digo. Tudo bem, o aluno foi estudar lá porque quis. Verdade. Mas, quando ele sair, há de ensinar o quê? Em "nome do Estado", não tem diploma? Não é "mestre"? É doutor até!

8. De modo que eu não vejo nenhuma solução séria no horizonte. Nenhuma. Quando o assunto cair na discussão do Congresso, a "bancada" cristã fará a mesma coisa que fez em relação ao kit gay: fará pressão para manterem-se as coisas nos termos de seu interesse, e pronto. Se não fizer o que eu quero, não voto mais nada - já cansamos de ouvir... Imagino até grupos de oração contra as denúncias da ONU, outra obra do diabo...

9. Eu temo, sinceramente, quando homens tomados pelo pathos e neurose cristãos, quero esclarecer, em sua forma patológica e neurótica, assumem o poder - seja político, seja pedagógico: o resultado desse poder, na religião, assiste-se nas TV - e sem constrangimentos!

10. As coisas vão em frente. Tortas, mas vão. Cada um encontrará um jeito de extrair o máximo de benefícios da situação, e pronto. Deus, sempre, no timão...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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