domingo, 21 de fevereiro de 2010

(2010/152) Pôr pão à mesa


1. É uma constatação que vou construindo, quase quarenta e cinco anos de estrada. Vá lá, não uma constatação, mas, certamente, uma percepção. E uma percepção cada vez mais forte, mais aguda, mais contundente: dificilmente chegarei a fazer algo "grande"...

2. Cheguei à conclusão que, olhando para dentro de mim mesmo, não vejo alguém com idéias revolucionárias fortes o suficiente para mover céu e terra. Movem-me os constrangimentos morais e éticos de uma pequena burguesia, fruto de uma educação pequeno-burguesa, conquanto a pobreza fosse, a rigor, nossa condição. Digamos que de vovó à mamãe, saímos de uma condição de classe média baixa para uma condição de pobreza. De mamãe para cá, aos trancos e barrancos, tentamos retornar à classe média baixa. Dizem os números do Governo Federal que é aí que estamos, Bel, eu e os meninos. De novo, à pequena burguesia de vovó...

3. Essa educação burguesa me faz ter comichões éticos, pruridos morais, instintos revolucionários, mas uma inação absoluta - que, aliás, se traduz em minha prática bíblica, inclusive... Não: nunca salvarei o mundo, nunca transformarei o planeta. Tão somente irei a reboque, torcendo, analisando, fazendo as vezes de claque...

4. Além disso, consigo "ver" coisas que escapam a tantos, a muitos mesmo. Mas não tenho a ambição necessária o suficiente para, além de ver, ir lá e pegar pra mim. Se eu tivesse sido empreendedor, algo assim, tão desprendido quanto o Jimmy, por exemplo, se eu tivesse tido outra história, o mundo estaria sendo sacudido por afirmações inesperadas, também no campo bíblico, certamente. Mas... Bem, mas não é assim que eu sou, e isso tem a ver com minha criação.

5. Você consegue imaginar o que é uma pessoa ser criada trancada dentro de casa até os quinze anos, sem brincar na rua, com colegas, com amigos?, alguém que só vê a rua pelo muro? Somente após meus quinze anos passei a dar saídas para a rua, a jogar bola, a soltar pipa... Não, vocês não imaginam, nem de longe, a tragédia psico-social que essa condição promove. Dar aulas, a cada vez, é um exercício de superação: a todo instante, a vontade é correr, voltar pra casa, e me esconder atrás do muro...

6. Felizmente - e também, infelizmente! - éramos quatro irmãos. O quintal despertou-me toda sorte de criatividade, porque tudo tinha que ser outra coisa, para que pudéssemos brincar, já que, pobres, tínhamos poucos brinquedos. Por isso, minha cabeça consegue ver o que poucos vêem, mas meus pés não conseguem ir aonde tantos vão... Se meus pés se juntassem à cabeça...


7. Na prática, tudo que faço reduz-se a pôr pão na mesa de casa. Não é para o mundo que trabalho, não é para as coisas grandes que eu poderia, certamente fazer, fosse eu, outra pessoa - é tudo para Bel e os meninos. E não o digo como uma confissão, seja de pecado, seja de desgraça pessoal, absolutamente. Trata-se de uma experiência de auto-conhecimento. Esse eu que me tornei tudo faz com um objetivo: dar pão à família.

8. Mas uma coisa sei: a constatação de um fato é, ao mesmo tempo, a sua transformação. A auto-descoberta, o auto-conhecimento, é um motor. Não sei o que me espera ali na frente. Mas, seja o que for, a única coisa que realmente importa é se isso ainda me dará condições de põr pão à mesa.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Elias Aguiar disse...

Quintal é "tudo de bom".

Obrigado pelo post que me faz
hoje, apartamentado, lembrar-me
da infância com os pés na terra...

Fico feliz porque, enquanto ganhas
o pão, compartilhas idéias fracas
que influenciam pessoas.

Quem sabe?, não seja essa a
semeadura da revolução necessária?

Um abraço,

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