terça-feira, 19 de janeiro de 2010

(2010/055) De deuses, homens e peixes


1. Arraias. Tubarão-baleia. Xaréu. Barracuda. Tubarão-tigre. Peixes de todo tipo. Nadando. Bonitos, todos. Plácidos. Sabem onde estão. E nadam. Do inventário, constam cerca de 70 espécies da fauna própria dos mares japoneses. Segundo maior aquário do mundo, fica em Okinawa. Expostos aos olhos de visitantes, alimentados, cuidados - com água salgada recolhida a 300 metros da costa, para garantir sua pureza -, "vivem" os peixes, nadando, de um lado para o outro. Falta-lhes a liberdade. Mas é só o que lhes falta...

2. Há quem pense que nós também somos assim - peixes num aquário. Os deuses - ou "Deus" - nos colocaram aqui, e, do outro lado do "vidro", observam-nos... Nadando, achamos que vamos cuidando de nossas vidas, quando, na verdade, seriam eles, os criadores, donos do aquário, para êxtase dos visitantes, que nos traçam as rotas, que nos limitam, que nos fazem nadar onde e para aonde eles determinam.

3. Vai ver é assim mesmo. Vai ver é para isso que servimos... Vai ver somos só peixes.

4. Bem, se a vida é assim, mesmo, se, no final das contas, somos, afinal, nada mais que peixes num aquário, havemos de concordar que os homens fazem aquários melhor do que os deuses, porque, em compração com Kuroshio Sea, a vida humana é uma desgraça só. Quando as águas do aquário pesam sobre nós, onde estão os deuses? Do outro lado do vidro, admirando a tragédia? Ou - quem sabe? - revolvendo as águas?

5. O que os deuses não entendem, aquilo pelo que os deuses absolutamente não esperavam, aquilo que os faz tornar ainda mais violentas as águas de nossa vida - é isso: não importa o tamanho das ondas!, um de nós, nem que seja um de nós, caminhará por sobre todas elas.

6. Porque até podemos ser peixes. Porque até podemos estar num aquário. Mas os deuses têm de nos olhar nos olhos e admitir que, diferentemente dos peixes, não aceitamos assim tão facilmente nosso destino... Talvez porque pressintamos o olhar dos deuses sobre nós e, de tanto pressenti-lo, tenhamos, audaciosamente, arriscado enfrentar as ondas...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Debbie Seravat disse...

Olá!

Não sei porquê, o seu texto me remeteu a um trecho de um poema meu:
...
Cheiro. Cheiro
o olor sanitário,
o pudor primeiro - exceto,
o lodo aquário
dos mortos mares
- é certo.
...
(Cantiga da Hora)

Gosto da textura como escreve porque me faz refletir e, não, simplesmeste, dizer amém, inobstante, concordar com alguns de seus ensaios. E é justamente por carregar essa tônica que me são prazerosos.

Abraços.

Débora

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