domingo, 31 de maio de 2009

(2009/319) Da terra que não tive


1. Encanta-me, em Saramago, seu apego à sua terra. Acaba ele de falar disso, aproveitando a oportunidade que lhe dá a sua estátua de bronze, posta lá na sua Azinhaga. Louva a terra, as terras ao redor, e fica feliz, conquanto surpreso, ele diz, de ver erigida uma estátua sua - que merce, porque um primeiro Nobel de Literatura de língua portuguesa não é fato corriqueiro, não.

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2. Ah, a terra da gente. Nasci em Mesquita, no Estado do Rio de Janeiro. Era, então, Distrito de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e, hoje, emancipou-se, e é cidade, agora. Nasci e vivi do outro lado da linha do trem. Cresci aqui. Por quatro anos, na infância, vivi em Goiás. Nada lembro. Voltei e aqui finquei raízes. No casamento, era 1989/91, Bel e eu, com uns merréis de salário que eu ganhava, à época, fugimos para Belford Roxo, atrás de aluguel que pudéssemos pagar. "Subi" um tiquinho na vida, e voltamos para cá. Cá estamos, desde então.

3. E, no entanto, não sinto que essa terra e eu tenhamos essas relações que com a sua terra teve e tem Saramago. Não "sinto". Talvez isso se deva ao fato de, desde a infância, até os quinze anos - imagine-se o que isso significa! -, meus irmãos e eu (éramos dois casais) vivemos "trancados" dentro de casa. Não, não tínhamos "colegas" para brincar, não. Só nós.

4. Isso me causou problemas sérios. Uma absoluta falta de socialização, que administro por força de muita educação que tive. Todavia, se me põem à mesa, seja num jantar, num almoço, numa festa (não vou a festas também por isso), numa conversa informal, não sei o que fazer. Não se aprende sociabilidade senão socializando-se. Não tive isso, não me apeguei à minha terra - e me hiper-apeguei à minha casa...

5. Felizmente éramos quatro. E o qintal, enorme. Cheio de árvores. Brincávamos muito - muito. De tudo, sem que, contudo, tivéssemos "brinquedos". Inventávamos nós mesmos os nossos. Minha pequena história esbocei, catarticamente, em O Outro Lado Dos Dias - inacabado. E a casa de minha infância, ela é, decerto, meu Universo simbólico.

6. O "Deus" que meu coração concebe, não adianta, não é a "Teologia" quem o molda - foram aqueles dias, aqueles anos, lá. Sem "pai", mamãe trabalhando o dia todo, a gente ficava livre, pelo quintal... "Deus" assim, um "Deus" desse tipo, de árvores - por isso adoro árvores, mais do que animais de estimação, e adoro Ents -, de plantas, de imaginação, daquele mangangá no tronco apodrecido, amarelo... Uma presença, não um nome. Uma kavod, não um dogma. Uma atmosfera, não um culto. Um amigo, não um rei. 'Abbá, confesso, aprendi com Joaquim Jeremias, que diz ter aprendido de "Jesus". "Amigo" - isso aprendi na infância solitária mesmo...

7. Vendida a casa, os sonhos ficaram para ser re-inventados (quanta memória nossa é fraude da saudade!). Mesquita, para mim, é a Avenida São Paulo, 424. O restante, terra inóspita - "caos". Porque a minha cosmogonia é aquela que Tiamat, essa Bel das Águas, e eu "criamos"... Minha cosmogonia no corpo vivo dela...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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