terça-feira, 31 de março de 2009

(2009/125) Por que gosto de Hasel?


1. A pergunta assume toda a sua pertinência, quando acrescento a informação de que Gerhard F. Hasel é um representante da escola "tradicional/confessional" da teologia. É um "conservador", para o dizer de modo bem simples. Claro que há "conservador" e "conservador" (e Hasel é um conservador "moderado"), mas o que quero dizer é que Hasel assume determinada "confissão" cristã, interpreta-se a si mesmo por meio dessa "confissão" e, desde aí, "vive" - e, porque o faz, é "conservador"(quero dizer, no campo da teologia - se o é em outras instâncias, não sei. Eu, por exemplo, sou muito crítico no campo teológico, e, contudo, muito conservador em aspectos culturais/familiares).

2. Bem, dizer, portanto que, a despeito de Hasel ser um "conservador" eu, ainda assim, goste dele, é dizer, na verdade, duas coisas: a) que não gosto de alguns conservadores, e b) que, apesar disso, e apesar de Hasel ser um conservador, eu gosto dele. Logo se vê que minha declaração "a" precisa de explicação.

3. Explico-a. O que eu não gosto em "conservadores" é sua atitude pouco sofisticada de afirmarem-se, ao mesmo tempo, conservadores e bíblicos. Ora, ou se é conservador, ou se é bíblico. Ser conservador é ser, ao mesmo tempo - falamos de teologia, lembremo-nos! - confessional. O que se conserva, aí, sempre, é determinada confissão de fé. Isso é tão velho quanto Judas 3.5.17 - lá, se orienta ao fiel a batalhar pela fé uma vez por todas dada aos santos, fé da qual eles se lembra(va)m, porque ouviram-na dos apóstolos. Ou seja: fé, aí, e é nesse sentido que se é tradicional, constitui um depósito de fé, um conjunto de doutrinas ao qual o fiel se agarra, como à verdade, porque as agarra como se fossem (e para ele, confessional, o é!) a verdade. Ora, já em Judas esse "uma vez por todas" é pré-bíblico. Nem a comunidade lia o Novo Testamento, nem o Novo Testamento então existia como corpus. Já ali a fé era bem aquela a que se refere o Novo Testamento: a fé vem pelo ouvir...

4. Hasel sabe disso. Em seu livrinho excelente - Teologia do Antigo Testamento - questões fundamentais no debate atual (JUERP, 1987) - Hasel fala do "método confessional" (no campo da Teologia Bíblica do Antigo Testamento, mas a rigor, vale para todo o espectro teológico), e, sobre isso, diz o seguinte: "o método confessional baseia-se amplamente na distinção metodológica precisa de Eissfeldt entre Religionsgeschchite [História da Religião], que diz ser uma disciplina totalmente 'imparcial', em que crente e descrente podem trabalhar juntos em harmonia, e a teologia do AT, que deve ser estudada sobre o prisma da fé" (p. 30-31). Aí está: Hasel sabe que a confissão se põe à frente e anteriormente em relação à Escritura - é a fé, a doutrina, que, no método confessional, "interpreta", à luz de si mesma, a Escritura. É a fé, para o confessional, o ponto de partida - e o de chegada! Para um batista, a Bíblia é batista - é assim que ele a lê. Para um presbiteriano, a mesma Bíblia é presbiteriana - é assim que ele a lê. A verdade - e mesmo Deus - para um batista, é batista. Para um presbiteriano, hão de ser presbiterianos.

5. Hasel, confessional e conservador, sabe disso - e não se constrange em dizê-lo, porque sabe o que é ser confessional e conservador, e assume-se, conscientemente, como tal. Logo, posso lidar com Hasel, porque tanto ele sabe seus compromissos, quanto sabe os meus, além de que sabe que eu também os sei. O meu problema, contudo, é com os "conservadores" alguma coisa entre desavisados e mal-intencionados. Desavisados, quando não conseguem sequer enxergarem-se a si próprios, na sua condição de submetidos a um sistema doutrinário antes de a qualquer outra coisa (mesmo Deus!), mesmo a Escritura. Mal-intencionados, quando sabem disso, e, a despeito disso, usam a retórica da Bíblia para se legitimarem. Nos dois casos, lamentável. Salva-se a atitude conservadora, consciente, de Hasel.

6. Hasel sabe que a atitude conservadora passa, primeiro, pela doutrina e, depois, só depois, pela Escritura. É enquanto conservador e confesso/confessional que o fiel entende a Bíblia - logo, o que a fé afirma da Bíblia. No fundo, o protestante está numa situação grave: tem a Bíblia na mão, e tem a "fé" - a doutrina. Deve escolher entre uma coisa e outra. Se escolhe a fé, a Bíblia torna-se secundária, e passará a ser atrelada à doutrina/fé como uma carroça aos cavalos, que a puxam, ora para aqui, ora para ali. Se escolhe a Bíblia, deve saber que a Bíblia poderá, eventualmente, não apenas contestar uma ou outra doutrina, mas, até, levar ao desmoronamento de todo o edifício "teológico". Difícil situação.

7. Escolhi a Bíblia Hebraica como meu a priori. Nesse sentido, nem é questão de querer, mas de "poder" - não posso, mais, ser "conservador". Não demorou muito para que as conseqüências se fizessem perceptíveis. As doutrinas ruem, uma a uma. E não é pelo fato de ser a Bíblia Hebraica, não. Penso que se minha opção tivesse sido pelo Novo Testamento, o terremoto teria sido muito, muito mais avassalador, porque quanto mais perto está o epicentro do terremoto da casa, tanto mais grave é o risco de desmoronamento. Alguém duvida?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

2 comentários:

Lazaro disse...

Aqui meu 1º acesso. Gostei muito do que li e de voces.. Sou católico,74 anos, inquieto como O Roger Garaudy. Arquiteto aos 22 aos 55 fui estudar teologia na PUC-RJ. Estudei 8 anos( trabalhava ), sai em represália sem me "formar" porque a hierarquia demitiu 3 de meus mestres .Arghhhh.
Permitam que eu seja amigo de voces e possa le-los tranquilamente aqui do meu canto.
att
sergioldantas

Peroratio disse...

Pois meu já amigo Sergio, puxa pois uma cadeira e senta, e vamos ai trocando dedos de prosa. A casa é sua. E agradeço a postagem, porque me deu ocasião de reler esse texto que escrevi há já algum tempo. Não me lembrava dele, e gostei de relê-lo. Obrigado, meu novo amigo.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio