sexta-feira, 5 de setembro de 2008

(2008/21) Reagindo à postagem 2008/13, de Haroldo


1. Haroldo, permita-me deixar, aqui, rabiscadas, observações e dúvidas quanto ao que você disse em Textos Sagrados e Espírito Ecumênico.

2. § 1 - "Textos sagrados querem (...) ser lidos em espírito ecumênico. Afinal, suas raízes são ecumênicas". A - em que sentido "textos" querem? Textos possuem subjetividade? Constituem consciência teleológica? Têm vontade - própria? B - em que sentido são suas raízes ecumênicas? O conflito, o espírito de gueto, de guerra, inclusive santa (onde estão as mulheres de terracota, de mamas fartas e quadris paridores?), não está, também, e muito profundamente, enraigado no chão dessa casa?, e casa de gente, e não de celulose? Se textos não têm vontade própria (A), e se a história da redação, seja das perícopes originais, seja dos blocos redacionais, mesmo a constituição do "cânon", marca-se, também, pelo regime do conflito (B) - de onde provem o "espírito ecumênico"? Não será "de nós" - que, para o legitimar, o transferimos para eles?

3. § 3 - "De cânon, os textos bíblicos querem (...) se tornar novamente vida, e vida em pluralidade". Mais uma vez, você usa um recurso retórico de dar vida e vontade aos "textos". Mas ela - ela, não, elas, as vidas e as vontades, conflutiosas, na maioria das vezes, coercitivas, tantas outras, "comunitárias" (em sentido provinciano), outras tantas - não está, antes, na intenção dos/as autores/as? Se as vidas, os corpos, deles, tais quais foram - e ainda são, sob a tonelada de escombros da história da recepção de seus textos -, forem, digamos, ressuscitados, não o serão tal qual eram, com pulsão também de morte? Não seria mais adequado que, antes de diversas modalidades de aproximação interpretativa aos textos bíblicos, primeiro, nos esforçássemos para contemplar a história real que lhes subjaz, e, depois sim, de posse da "informação", cada qual fazer uso dela conforme sua própria inclinação e ética?

4. Certo, na hipótese de o leitor, eventualmente, assumir a corrente "hermenêutica" que afirma não haver "objetividade" na leitura - conquanto creia em Escrituras de Compra e Venda -, o "evento" e o "significado" histórico desses textos não tem a menor importância. Nesse caso, a pergunta - para que servem, então? Para objetivar nossas próprias esperanças, eventualmente, por meio de metáforas/alegorias. Mas, nesse caso, não deixamos escapar de nós a informação, preciosa, de que as esperanças, articuladas e engajadas, eventualmente, caminham para a supressão dos direitos alheios, em nome de direitos maiores e melhores? A esperança messiânica, "viva", como gigantesca mariposa noturna, não pousou, alegoricamente, sobre a carne humana, e, desde aí, consubstanciou-se, também, a ferro e fogo, como a queimar nas carnes incenso a Deus? Não é preciso muito mais a denúncia de nossa miséria interna do que acalentar a esperança de nossa beatitude utópica? A utopia não se construirá por meio da supressão de nossa dimensão diabólica - mas, também, a partir dela. A doutrina da "glorificação" não atende a consciência que temos de que, enquanto seres humanos, não somos anjos, nem o seremos, nem demônios, nem o seremos - somos desequilíbrio e caos, em busca constante de ficar de pé. Acabemos com isso, e acabamos com o que somos. Desejar a utopia não se pode fazer à custa do recalque da loucura que nos marca inexoravelmente - nosso passado, nosso presente, e nosso futuro.

5. Não digo acabar com a utopia. Não digo acabar com a metáfora. Digo não permitir iludirmo-nos - subjetivamente e pessoalmente, mas, o que é pior, homilética e oracularmente - com a idéia de que nos bastam nossos desejos de justiça e direito, de bênção e virtude, porque, para se concretizarem, se nos perfilarmos diante delas, essas idéias-vampiros, ingenuamente, haveremos de agir, inclusive, injustamente. Penso que, nesse sentido (não?), revirar as tripas de nossos ancestrais, trazer à luz do dia seus anjos e seus demônios - quantas vezes, uns dentro dos outros, a mesma "utopia" marcada por deus e pelo diabo -, não revelaria nossa própria constituição profunda, nós, Quixotes, eventualmente Bushs, e, enquanto Bushs, também, não?, Quixotes?

6. Com a ressalva de que, aqui, não fala a Pitonisa, mas um ogro cego, a tatear no escuro - e no escuro, também, de sua própria alma.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio