sexta-feira, 20 de março de 2020

(2020/034) Sobre criadores e salvadores: mas, por favor, não me confundam!

Em sua luta política e aristocrática contra o cristianismo que se massificava, Nietzsche soltou todos os seus cães raivosos contra a História da Igreja, contra a Teologia - "todo teólogo é um mal filólogo" - e contra a própria ideia de Deus. Um dia, em um de seus livros que me parecem mais espetaculares (tenho esse problema com Nietzsche: odeio-o e adoro-o), ele disse com todas as letras:

"129 - As condições de Deus. 'O próprio Deus não poderia subsistir sem os homens sábios!' - disse Lutero e com muita razão; mas 'Deus pode ainda menos subsistir sem os insensatos'- isso, o bom Lutero, não o disse" (A Gaia Ciência).

De fato. Em outros termos, os homens criaram os deuses. Todos. Sem exceção. Aristóteles já havia dito isso há mais de dois mil anos, mas a sociedade não estava madura para lhe dar ouvidos. Ele disse que os deuses eram reis porque os homens têm reis, e, se você sabe contar até dez, pelo menos, então ninguém precisa explicar a você a que conclusões essa declaração leva.

Até onde posso controlar, o eco dessa declaração retorna no século XIX, mais fortemente com Feuerbach, que vai pouco além de aonde Aristóteles foi, conquanto diga-o não em uma frase solta, mas em livros inteiros: "Deus" é uma projeção antropológica. Animado com a possibilidade de, com essa tese, interromper a emancipação política das massas, Nietzsche sobe aos telhados e grita mil vezes, com 100 decibéis de pulmões: Deus está morto!, Deus está morto! Nada em Nietzsche é teologia, estejam atentos a isso. Tudo ali isso é política... E ele mesmo sabia que, a despeito de seu anúncio e das teses de Feuerbach, o corpo morto de Deus - palavras dele - seria carregado pelas ruas, ainda, por muitos séculos, pelos homens que o criaram e o mataram.

Sim, o corpo de "Deus" será arrastado ainda por muitos, muitos séculos, pelos homens, pelas ruas, e isso em decorrência do fato de que os homens não são apenas criadores dos deuses. Foram seus criadores, sim, mas, assim como os próprios homens, os deuses também morrem. Todavia, assim como os homens morrem, mas os deuses podem salvá-los, morrendo os deuses, os homens também podem salvá-los. Que Deus morreu, pelo menos o filósofo louco já sabia. O que ele não sabia, e se sabia, calou-se, é que os homens não carregariam pelas ruas o seu corpo morto, até que, putrefato, ele se desintegrasse na História. O que os homens fizeram foi salvá-lo. O qu carregam pelas ruas, agora, nesse minuto, é o corpo vivo de "Deus", "Deus" que criaram, mataram e agora ressuscitaram. Já haviam ressuscitado o Filho há dois mil anos. Ressuscitar o Pai, isso era coisa para o que já tinham inclusive expertise...







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Sobre ombros de gigantes


 

Arquivos de Peroratio