quinta-feira, 12 de setembro de 2013

(2013/1060) Imagem em 3D do centro de nossa galáxia




Dois grupos de astrónomos usaram os telescópios do ESO para fazerem o melhor mapa a três dimensões de sempre das zonas centrais da Via Láctea. As equipas descobriram que as regiões internas vistas a partir de certos ângulos se parecem com um amendoim, enquanto que de uma perspectiva diferente podemos ver uma estrutura em X. Esta forma estranha foi mapeada com o auxílio de dados públicos do telescópio de rastreio VISTA do ESO e também a partir de medições dos movimentos de centenas de estrelas muito ténues situadas no bojo central.

O bojo galáctico é uma das regiões mais importantes e de maior massa da nossa Galáxia. Esta enorme nuvem central com cerca de 10 000 milhões de estrelas tem uma dimensão de milhares de anos-luz mas a sua estrutura e origem não eram bem compreendidas.

Infelizmente a partir do interior do disco galáctico que é a posição da Terra, a vista desta região central - a cerca de 27 000 anos-luz de distância - encontra-se fortemente obscurecida por nuvens densas de gás e poeira. Os astrónomos apenas conseguem obter uma boa vista do bojo observando a grandes comprimentos de onda, tais como em radiação infravermelha, a qual consegue penetrar as nuvens de poeira.

Observações anteriores, tanto do satélite COBE como do rastreio infravermelho do céu 2MASS, tinham já sugerido que o bojo tinha uma misteriosa forma em X. Agora, dois grupos de cientistas utilizaram novas observações de vários telescópios do ESO para obterem uma vista muito mais clara da estrutura do bojo.

O primeiro grupo, do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre (MPE) em Garching, Alemanha, usou o rastreio no infravermelho próximo VVV [1] do telescópio VISTA, instalado no Observatório do Paranal do ESO, no Chile (eso1101, eso1128, eso1141, eso1242, eso1309). Este novo rastreio público consegue observar estrelas trinta vezes mais ténues do que as observadas em anteriores rastreios ao bojo. A equipa identificou um total de 22 milhões de estrelas pertencentes à classe das gigantes vermelhas, cujas propriedades bem conhecidas permitem calcular as suas distâncias [2].

“A profundidade do catálogo de estrelas VISTA excede de longe trabalhos anteriores e conseguimos detectar a população total destas estrelas em todas as regiões menos nas mais obscuras,” explica Christopher Wegg (MPE), autor principal do primeiro estudo. “A partir desta distribuição estelar pudemos fazer um mapa a três dimensões do bojo galáctico. Esta é a primeira vez que tal mapa é feito sem se assumir um modelo teórico para a forma do bojo.”

“Descobrimos que a região interna da nossa Galáxia tem uma forma tipo “caixa”, assemelhando-se a um amendoim na casca vista de um lado, a um X gigante vista do outro e a uma barra muito alongada vista de cima,” acrescenta Ortwin Gerhard, co-autor do primeiro artigo e líder do grupo do MPE [3].

A segunda equipa internacional, liderada pelo estudante de doutoramento chileno Sergio Vásquez (Pontificia Universidad Católica de Chile, Santiago, Chile e ESO, Santiago, Chile), utilizou uma abordagem diferente para identificar a estrutura do bojo. Ao comparar imagens observadas com o auxílio do telescópio MPG/ESO de 2,2 metros e obtidas com um intervalo de onze anos, a equipa pôde medir os minúsculos desvios no céu devido aos movimentos das estrelas do bojo. Estes desvios foram combinados com medições dos movimentos das mesmas estrelas a aproximarem-se ou a afastarem-se da Terra, mapeando-se assim os movimentos de mais de 400 estrelas em três dimensões [4].

“Esta é a primeira vez que se obteve um grande número de velocidades em três dimensões para estrelas individuais do bojo”, conclui Vásquez. “As estrelas que observámos parecem estar a mover-se ao longo dos braços em forma de X do bojo, à medida que as suas órbitas as levam para cima e para baixo e para fora do plano da Via Láctea. Tudo isto se ajusta na perfeição com previsões de modelos atuais!”

Os astrónomos pensam que a Via Láctea era originalmente um disco puro de estrelas, que formou uma barra plana há milhares de milhões de anos atrás [5]. Esta barra deu depois origem à forma de amendoim a três dimensões vista nas novas observações.


Notas

[1] VVV significa “VISTA Variables in the Via Lactea Survey” (Rastreio de Variáveis VISTA na Via Láctea). Este é um dos seis grandes rastreios que estão a ser executados pelo telescópio VISTA. Os dados do rastreio VVV são postos à disposição da comunidade científica internacional através do Arquivo Científico do ESO, o que permitiu o estudo realizado no MPE.

[2] As estrelas gigantes vermelhas foram escolhidas para este estudo uma vez que podem ser usadas como velas padrão: nesta fase da vida das estrelas gigantes a sua luminosidade é essencialmente independente da idade ou composição. A quantidade de gás e poeira que obscurece as estrelas é calculada diretamente a partir das cores observadas das estrelas, por isso pode medir-se a sua distribuição de brilho sem obscurecimento. Seguidamente e porque as estrelas vermelhas têm praticamente o mesmo brilho intrínseco, podemos obter distâncias aproximadas para cada estrela. A boa cobertura espacial do rastreio VVV permitiu fazer medições em toda a região interna da Via Láctea e a partir daí pôde construir-se as medições a três dimensões da estrutura do bojo.

[3] Neste caso a palavra “caixa” refere-se a uma forma entre uma elipse e um rectângulo, com cantos mais pronunciados. O amendoim referido corresponde a uma versão mais extrema desta forma, parecendo-se com um amendoim que tem no seu interior dois frutos do mesmo tamanho, com a casca a rodear ambos.

Estruturas em amendoim semelhantes foram observadas em bojos de outras galáxias e a sua formação, assim como a forma em X, foi prevista por simulações de computador.

[4] As observações destas velocidades radiais foram feitas com o auxílio do espectrógrafo FLAMES-GIRAFFE, montado no Very Large Telescope do ESO e do espectrógrafo IMACS no Observatório de Las Campanas.

[5] Muitas galáxias, incluindo a Via Láctea, têm estruturas finas e compridas ao longo das suas regiões centrais, conhecidas por barras.





OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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