O negro, recolhido ao canto escuro, úmido e sujo do navio, chora. Seu choro sai de seu corpo. Seus ancestrais todos, choram. No tombadilho, o povo branco, cristão e crente, espera a terra da liberdade, o país de Deus e de Jesus, que lhos deu - o país, os vermelhos e os pretos.
No porão, chora um preto. E canta.
Um branco, crente de Jesus, anota a melodia. É, realmente, bela. Produzida pela dor e pela violência de Deus, mas, que se dane, quem se importa? É linda e dará um bom louvor...
Compõe-se o louvor. Para o Deus dos escravizadores. Depois de libertos - mas, mesmo? - os seus corpos do tronco, pretos, vencidos na fé, escravos, agora, do antigo Deus dos escravizadores, cantam a maravilhosa graça...
Talvez eu esteja pesando demais o olhar crítico.
Mas dê um passo atrás, suba a montanha e olhe toda a cena desde uma distância capaz de ver os atores todos, brancos, Deus, Jesus, pretos...
Maravilhosa graça.
Afinal, Deus não foi à África arrancar os corpos de lá para lhes dar... Jesus?
No final, a Ideia venceu.
Acima de toda memória e toda dor, a Ideia venceu.
Faz de conta, senhores, que não era ela, a fincar o tronco e a segurar o açoite que lambe as costas sangrando de quem ainda canta...
(...)
Resistência?
Outro nome, mais verdadeiro, despedaçaria o resto da alma da gente...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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